terça-feira, 13 de março de 2012

PENITÊNCIA

A palavra “penitência” é tradução do latim “paenitentia” que, por sua vez, traduz o grego “metanoia”, que significa conversão. Então, o essencial da prática da penitência da Quaresma é que ela seja um modo de exprimir o nosso desejo de conversão, de mudança de vida, de volta para o Senhor. Sem este propósito, as práticas penitenciais não terão um sentido realmente cristão. O espírito profundo de quem se entrega à penitência cristã deve ser o humilde reconhecimento dos seus pecados e dos seus vícios (= das suas más inclinações). Então, como o filho pródigo, procura-se voltar para o Senhor pelo caminho da conversão do coração através do combate espiritual.

A penitência, além do sentido amplo da conversão, reveste-se de um segundo aspecto: o da mortificação, isto é da renúncia. E porquê renunciar a alguma coisa por amor a Deus? Para exercitar a nossa força de vontade no combate contra o pecado, para fazer crescer em nós o “espaço interior” disponível para o Reinado de Deus. Sem a mortificação, teríamos sentimentos bonitos, palavras bonitas e ungidas, belas orações, mas não uma vida de prática realmente cristã. Temos tendências desarrumadas e pecaminosas; sem a mortificação nunca amadureceríamos no caminho do Senhor e jamais voaríamos em direcção a Deus; o nosso vôo seria como um vôo de galinha: baixo, feio, desengonçado, sem futuro. Um dos grandes pontos fracos dos cristãos de hoje é a moleza da vontade, a preguiça espiritual, que leva à pouca coragem e pouca generosidade no combate real e concreto ao pecado na nossa vida! Cria-se, então uma vida religiosa dupla: belas palavras e uma prática mundana, pecaminosa e, às vezes, anti-cristã. Mas, o cristianismo não é uma questão de palavras ou doces sentimentos, mas sim uma adesão efectiva e total a Cristo!

Como fazer penitência?
Como praticar a mortificação?

Na Quaresma, a principal penitência deve ser expressa na renúncia a algum tipo de alimento. Tira-se algo do comer. Isto porque a alimentação é um dos instintos mais fundamentais do homem, garantindo a sua sobrevivência. Renunciar ao alimento é como que colocar-se em sincero abandono nas mãos do Senhor: “tu, Senhor, és o Senhor e sustentador da minha vida! Eu me entrego a ti, abandono-me em tuas mãos!” – deve ser este o sentimento de quem pratica a penitência. Além do mais, a sensação de fraqueza recorda-nos que não somos auto-suficientes; somos sempre criados por Deus, pois recebemos a vida a todo o tempo, a cada momento das mãos do Senhor na água que bebemos e nos alimentos que ingerimos. Não é por acaso que, em hebraico, a palavra “vida” diz-se nephesh, o mesmo termo usado para “garganta”. O sentido é profundo: a vida entra pela garganta, como dom contínuo e fiel de Deus: o homem não tem a vida em si mesmo, não é o dono da bola, mas, se deseja viver de verdade, deve ser aberto para receber a vida e vivê-la como um dom que lhe foi concedido gratuitamente!

Além da penitência como renúncia de alimentação, deve-se também tirar algo de supérfluo no nosso quotidiano. Enchemo-nos de tantas bugigangas, apegamo-nos a tantas coisas; dispersamo-nos com tantas porcarias. Entra, pois, na mortificação quaresmal, tirar algo de supérfluo no ter, no falar, na diversão, etc. Tudo isto deve nos deixar mais pobres de nós mesmos, mais abertos e livres para o Senhor.

Finalmente, a esmola. No seu sentido mais estrito, a esmola está ligada à oração e à penitência: reconhecendo pela oração que dependemos de Deus, pai de todos, sobretudo dos pobres, e renunciando a algum supérfluo pela penitência, devemos dar aos necessitados o fruto da nossa renúncia. Isto é: o que nós não comemos por penitência pertence aos pobres. Mas, aprofundemos mais: a verdadeira penitência deve abrir o nosso coração para os irmãos de um modo geral. “Esmola”, portanto, significa o amor fraterno de modo amplo: a esmola do perdão, do amor, de escutar o outro, de ir ao encontro dos necessitados com um sincero espírito de amor cristão. A verdadeira esmola cristã, imitando Jesus, não pode consistir simplesmente em dar coisas, mas em dar-se a si mesmo aos outros, vendo no próximo necessitado a pessoa mesma de Cristo.

Lembremo-nos das palavras de São Crisóstomo: “Há três coisas que mantêm a fé, dão firmeza à devoção e perseverança à virtude. São elas a oração, o jejum e a misericórdia. O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe”.

HÉLDER GONÇALVES

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