quarta-feira, 4 de abril de 2012

QUINTA-FEIRA SANTA

A Ceia do Senhor


«Como agradecerei ao Senhor tudo quanto Ele me deu?
Elevarei o cálice da salvação invocando o nome do Senhor»


1. A celebração do Mistério Pascal, centro e vértice da história da salvação, inicia-se com a Missa Vespertina da Quinta Feira Santa, que comemora a Ceia do Senhor.

Todas as leituras convergem para o tema da Ceia Pascal. O trecho do Êxodo (12, 1-8; 11-14) lembra-nos a instituição antiga, estabelecida quando Deus mandou aos Hebreus que, em cada família, fosse imolado «o cordeiro que há-se ser sem defeito; será macho e de um ano de idade», que se aspergissem, com um pouco de sangue, os dois umbrais e a padieira da porta para se libertarem do extermínio dos primogénitos, e que o comesse a toda a pressa e em treja de caminhantes. Naquela mesma noite, preservador pelo sangue do cordeiro e alimentados com a sua carne, começariam a caminhada para a terra prometida. O ritual deveria repetir-se ano apos ano lembrando o acontecimento. «É um sacrifício pascal em honra do Senhor» (Ex 12,11) que comemora «a passagem do Senhor» por entre o seu povo para o libertar da escravidão do Egipto.

Jesus escolhe a celebração da pascoa judaica para instituir a nova, a sua pascoa, em que ele é o verdadeiro «cordeiro sem defeito», imolado pela salvação do mundo. A partir do momento em que se senta a mesa com os seus, inicia o novo ritual. «O senhor jesus, na noite em que ia ser entregue – lê-se na segunda leitura (I Cor 11, 23-26), tomou o pão e deu graças; depois partiu-o e disse: «isto é o meu corpo que é para vós…». «No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice e disse: «este cálice é a nova aliança nomeu sangue». Aquele pão miraculosamente convertido no corpo de cristo e aquele cálice que já não contem vinho, mas sim o sangue de cristo, ambos oferecidos, mas por separado, eram, naquela noite, o anúncio e a antecipação da morte do senhor em que derramaria todo o seu sangue e são hoje o seu memorial. «Fazei isto em memória de mim». Com esta luz apresenta S. Paulo a Eucaristia ao afirmar: «sempre que comerdes este pão e beberdes este vinho, anunciareis a morte do senhor». A eucaristia é o «pão vivo» que da a vida eterna aos homens (Jo 6, 51), porque é o memorial da morte de cristo, porque é o seu corpo entregue em sacrifício, e é o seu «sangue derramado por todos para o perdão dos pecados» (Lc 22, 19; Mt 26, 28). Alimentados com o corpo de cristo e banhados no seu sangue, os homens podem enfrentar as asperezas da viagem terrena, passar da escravidão do pecado para a liberdade dos filhos de deus, da travessia fatigante do deserto para a terra prometida: a casa do pai.


2. «Tomai e comei todos: isto é o Meu Corpo… Tomai e bebei todos: este é o Cálice do meu sangue». Se a rotina tivesse minorado a vitalidade da fé nos crentes, a liturgia deste dia convida-os a reaviva-la, a penetrar, com o mais profundo e amoroso olhar, na inefável realidade do mistério que, pela primeira vez, se realizou no Cenáculo diante dos olhares atónitos dos discípulos e que se renova hoje, da mesma maneira concreta de então. É o senhor Jesus que continua, na pessoa do seu ministro, a realizar o gesto consecratório e, hoje, aniversário da instituição da Eucaristia e véspera da morte do senhor, tudo isso adquire uma atualidade impressionante.

Jesus «que amara os seus…, amou-os ate ao fim» diz S. Paulo prolongando a narração da Ultima Ceia (3ª Leitura; Jo 13, 1-15): «e na noite em que ia ser entregue», precisa S. Paulo referindo a instituição da eucaristia. Que tremendo contraste! Por um lado, o amor infinito de Cristo, «até ao fim», ate a morte; por outro, da parte dos homens, a traição, a negação, o abandono. A eucaristia é a resposta que o senhor da a traição das suas criaturas. Parece estar impaciente para salvar os homens, tao fracos e perjuros, e antecipa, misticamente, a sua morte oferecendo-lhes, como alimento, esse corpo que dentro de pouco será sacrificado na cruz e esse sangue que derramara ate a ultima gota. E se, dentro de poucas horas, a morte a ira arrebatar da terra, na eucaristia perpetuara a sua presença viva e real ate ao fim dos tempos.

Juntamente com o sacramento do amor, jesus deixou à sua igreja o mandamento do amor: o seu «mandamento novo». Sem o esperarem, os doze deparam com o mestre a ajoelhar-se diante de cada um deles na atitude de escravo. «Deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos». A cena acaba com uma advertência: «se eu vos lavei os pés, sendo senhor e mestre, também vos deveis lavar os pés, uns aos outros». Não se trata tanto de imitar o gesto material, quanto a atitude de humildade sincera nas relações reciprocas, considerando-se e comportando-se uns como servos dos outros. Só esta humildade faz possível o cumprimento do preceito que jesus vai impor: «dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei». O lava-pés, a instituição da eucaristia, a morte na cruz, manifestam como se deve amar os irmãos para realizar e fazer verdadeiro o preceito do senhor.

Ó bom jesus! Para nos exercitar no amor tomaste a resolução de permanecer sempre entre nós… no entanto, já preciseis a sorte que vos esperava entre os homens, as injurias e ultrajes que teríeis de sofrer. Ó eterno pai, como pudeste permitir que o vosso filho permanecesse no meio de nos para sofrer, dia apos dia, um novo género de injúrias? O meu deus! Que excesso de amor naquele filho! E que excesso também naquele pai!

Ó eterno pai! Como aceitastes que o vosso filho ficasse em mãos tao inimigas como as nossas? É possível que a vossa ternura permita que esteja exposto a tao maus tratos? Porque há-de ser todo o nosso bem a sua custa? Não haverá quem fale por este amantíssimo cordeiro?

Ó pai santo que estas no céu!... Se o vosso filho divino não deixou nenhuma coisa por fazer para nos dar a nos, pobres pecadores, um dom tao grande como o da eucaristia, não permitais, misericordiosíssimo senhor, que seja tao maltratado. Ele ficou entre nos de maneira tao admirável que o podemos oferecer em sacrifício sempre que queremos. Pois bem; que por este augustíssimo que se cometem ate no próprio lugar onde mora este santíssimo sacramento.

É verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação dar-vos graças sempre e em todas a parte, por cristo nosso senhor. Verdadeiro e eterno sacerdote, oferecendo-se a vos como vitima de salvação, instituiu o sacrifício da nova aliança e mandou que o celebrássemos em sua memoria para que, tomando o pão da vida neste banquete sagrado, anunciemos a sua morte, enquanto esperamos a sua vinda gloriosa.

Concedei senhor que deste tao grande mistério possamos haurir a plenitude do amor e da vida.

Vem jesus; tenho os pés sujos. Faz-te servo por mim. Deita água na bacia. Vem lavar-me os pés. Bem sei que é uma temeridade o que te digo, mas temo a ameaça das tuas palavras: «se não te lavar os pés, não terás parte comigo». Lava-me, pois, os pés, para que tenha parte contigo. Mas, que digo? Lava-me os pés? Isto pode dize-lo Pedro que não precisava de lavar senão os pés, porque estava limpo. Eu, pelo contrário, depois de lavado, preciso desse outro batismo de que tu falar, senhor: «tenho que passar por um batismo»

RICARDO IGREJA

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