terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Jesus nasceu em Belém ou Nazaré?

São Mateus disse de maneira explicita que Jesus nasceu em «Belém da Judeia no tempo do rei Herodes» (Mt 2,1; cf 2,5.6.8.16) e o mesmo diz São Lucas (Lc 2,4.15). O quarto evangelho menciona-o de maneira indirecta. No contexto de uma discussão a propósito da identidade de Jesus: «Uns diziam: ”Ele é realmente o profeta”. Diziam outros: “É o Messias”. Outros, porém, replicavam: “Mas pode lá ser que o Messias venha da Galileia?!” Não diz a Escritura que o Messias vem da descendência de David e da cidade de Belém, donde era David?» (Jo 7, 40-42). O quarto evangelista recorre aqui a uma ironia: tanto ele como o leitor cristão sabem que Jesus é o Messias e nasceu em Belém. Alguns opositores de Jesus querem demonstrar que Ele não é o Messias dizendo que, se o fosse, teria nascido em Belém, mas eles sabem (julgam saber), pelo contrário, que Jesus nasceu em Nazaré. Este procedimento é habitual no quarto evangelho (Jo 3,12; 6,42; 9,40-1).  Por exemplo, a mulher samaritana pergunta a Jesus: «Porventura és maior do que o nosso patriarca Jacob?» (Jo 4,12). Os leitores de João sabem que Jesus é o Messias, Filho de Deus, superior a Jacob, de modo que a pergunta da mulher era uma afirmação dessa superioridade. Portanto, o evangelista prova que Jesus é o Messias, servindo-se até das afirmações dos seus opositores.

Este foi o consenso comum ente crentes e investigadores durante mais de mil e novecentos anos. No entanto, no século passado, alguns investigadores afirmaram que Jesus é chamado em todo o Novo testamento «o Nazareno» (o que é, ou o que provém, de Nazaré) e que a menção a Belém como local do nascimento de Jesus obedece a uma invenção de Mateus e Lucas, que revestem Jesus de uma das características que naquele momento se atribuía ao futuro Messias: ser descendente de David e nascer em Belém. O certo é que uma argumentação como esta não prova nada. No século I dizia-se bastantes coisas sobre o futuro Messias que não se cumprem em Jesus e, pelo que sabemos, não parece que a do nascimento em Belém fosse uma das que mais frequentemente se invocava como prova. Há que raciocinar antes de forma inversa: pelo facto de Jesus, que era de Nazaré (quer dizer, que ali fora criado), ter nascido em Belém, é que os Evangelistas descobrem, nos textos do Antigo Testamento, que nele se cumpre essa qualidade messiânica. Além disso, todos os testemunhos da tradição comprovam todos os dados evangélicos. São Justino, nascido na Palestina por volta do ano 100 d.C, menciona, uns cinquenta anos mais tarde, que Jesus nasceu numa gruta perto de Belém (Giálogo, 78). Os Evangelhos apócrifos atestam o mesmo (Protoevangelho de Tiago, 17 ss; Evangelho da infância, 2-4; Pseudo-Mateus 13).

Em suma, segundo o consenso dos estudiosos actuais, não há argumentos fortes para ir contra o que afirmam os Evangelhos e se recebeu de toda a tradição: Jesus nasceu em Belém da Judeia no tempo do rei Herodes.

Quanto ao lugar concreto em Belém, Lucas indica que Maria, depois de ter dado à luz o seu filho, «recostou-O numa manjedoura por não haver lugar para eles na hospedaria» (Lc 2,7). A «manjedoura» indica que no lugar onde nasceu Jesus se guardava o gado. Lucas assinala também que o menino deitado na manjedoura será sinal para os pastores de que ali nasceu o Salvador (Lc 2, 12.16). A palavra grega empregue para «hospedaria» é Katállyma. Designa a divisão espaçosa das casas que podia servir como sala ou como quarto de hospedes. No Novo Testamento utiliza-se mais duas vezes a mesma palavra (Lc 22,11 e Mc 14,14) para indicar a sala onde Jesus celebrou a última ceia com os seus discípulos. Possivelmente o evangelista quis assinalar com as suas palavras que esse lugar não permitia preservar a intimidade do acontecimento.

HÉLDER GONÇALVES

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