Elogio da humildade
Todo cristão contraiu no baptismo a
obrigação de seguir os passos de Jesus Cristo, que é o modelo a que devemos
conformar a nossa vida. Ora bem, este Deus Salvador praticou a Humildade a
ponto de se fazer o opróbrio dos homens, para humilhar a nossa altivez e curar
a chaga do nosso orgulho, ensinando-nos com o seu exemplo o caminho único que conduz
ao céu. Para falar com propriedade, esta é a mais importante lição do Salvador:
“Aprendei de mim!”
Se desejas, pois, ó discípulo do divino
Mestre, adquirir esta pérola preciosa, que é o mais seguro penhor de santidade
e o mais certo sinal de predestinação, recebe com docilidade e executa
fielmente os seguintes conselhos:
1º Abre os
olhos de tua alma, e pensa que nada tens para te mover a
alguma estima de ti. De teu, só tens o pecado, a debilidade, a fraqueza; e
quanto aos dons da natureza e da graça que estão em ti, assim como os recebeste
de Deus, que é o princípio de todo ser, assim só a Ele deves dar glória.
2º Concebe
por isso um profundo sentimento do teu nada, e faz crescer constantemente
no teu coração, apesar do orgulho que domina em ti. Intimamente, persuade-te de
que não há no mundo coisa mais vã e ridícula que o desejo de ser estimado por
alguns dotes da gratuita liberalidade do Criador, pois, como diz o Apóstolo, se
os recebeste, por que te glorias como se fossem teus, e não os tivesses
recebido? (1 Cor 4,7).
3º Pensa
frequentemente na tua fraqueza, na tua cegueira, na tua vileza, na tua
dureza decoração, na tua inconstância, na tua sensualidade, na tua
insensibilidade para com Deus, no teu apego às criaturas e em tantas outras
viciosas inclinações que nascem da tua natureza corrompida. Sirva-te isto de
grande motivo para te abismares continuamente no teu nada, e seres aos teus
olhos o menor e o mais vil de todos.
4º A memória
dos pecados da tua vida passada esteja sempre impressa no teu espírito. Nenhuma
outra coisa reputes tão abominável como o pecado da soberba, o qual, posto em
comparação, vence qualquer outro, tanto sobre a terra como no inferno: este foi
o pecado que fez prevaricar os anjos no céu e os precipitou nos abismos; este
foi o que corrompeu todo o género humano, e que fez cair sobre a terra aquela
infinita multidão de males, que durarão enquanto durar o mundo, ou, melhor
dizendo, durarão toda a eternidade.
Ademais, uma alma maculada pelo pecado
só é digna de ódio, de desprezo e de suplícios; vê, portanto, qual estima podes
fazer de ti mesmo, depois de tantos pecados dos quais te tornaste culpado.
5º Considera
também que não há delito, por enorme e detestável que seja, ao qual
não se incline a tua natureza corrompida, e do qual não possas fazer-te réu; e
que só pela misericórdia de Deus e pelo socorro das suas divinas graças foste
dele livre até hoje, segundo aquela sentença de Santo Agostinho: “Não haveria
pecado no mundo que o homem não cometesse, se a mão que fez o homem deixasse de
sustentá-lo” (Arl. C. 15);
Chora eternamente esse deplorável
estado, e toma a firme resolução de te incluíres entre os mais indignos
pecadores.humildade_menor
6º Pensa
frequentemente que cedo ou tarde deves morrer, e que o teu corpo deverá
apodrecer numa fossa; tem sempre diante dos olhos o inexorável tribunal de
Jesus Cristo, onde todos necessariamente devem comparecer; medita nas eternas
penas do inferno preparadas para os maus, e principalmente para os imitadores
de Satanás, que são os soberbos. Considera sinceramente que, por esse véu
impenetrável que esconde aos olhos mortais os juízos divinos, estás na
incerteza de pertencer ou não ao número dos réprobos, que eternamente, em
companhia dos demónios, serão arrojados naquele lugar de tormentos, para serem
vítimas eternas de um fogo aceso pela ira divina. Esta incerteza deve bastar
por si só, para conservar-te numa extrema humildade, e para inspirar-te o mais
salutar temor.
7º Não te
iludas pensando que poderás conseguir a Humildade sem
aquelas práticas que a ela estão ligadas, como os atos de mansidão, de
paciência, de obediência, de ódio contra ti, de renúncia ao teu sentimento e às
tuas opiniões, de arrependimento de teus pecados e outros atos semelhantes,
porque somente estas armas poderão vencer em ti o reino do amor-próprio, aquele
abominável terreno onde brotam todos os vícios, onde se aninham e crescem
desmedidamente o teu orgulho e a tua presunção.
8º Tanto
quanto possível, observa o silêncio e o recolhimento, desde
que isso não cause prejuízo a outrem, e, quando fores obrigado a falar, fala
sempre com gravidade, com modéstia e simplicidade. E se por acaso não fores
ouvido, seja por desprezo ou por qualquer outra causa, não te mostres
ressentido, mas aceita essa humilhação, e sofre-a com resignação e
tranquilidade.
9º Com todo
cuidado e atenção, evita proferir palavras atrevidas,
orgulhosas, e que indiquem pretensão de superioridade, como também qualquer
frase estudada e toda a sorte de gracejos frívolos; cala sempre tudo aquilo que
puder fazer com que te considerem uma pessoa de espírito e digna da estima dos
outros. Em uma palavra, nunca fales de ti sem justo motivo, e nada digas que
possa granjear-te honra e louvor.
10º Cuida-te
de não mortificar e ferir a outrem com palavras e sarcasmos; foge,
numa palavra, de tudo o que lembra o espírito mundano. Fala pouco das coisas
espirituais, e não o faças em tom magistral e à maneira de repreensão, a não
ser que a isso sejas obrigado por teu cargo ou pela caridade: contenta-te com
interrogar os que delas entendem e que sabes que te podem dar conselhos
oportunos; porque o querer fazer-se de mestre sem necessidade é acrescentar
lenha ao fogo da nossa alma, que se consome em fumaça de soberba.»
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