terça-feira, 4 de abril de 2017

A Misericórdia de Deus nas suas obras

“Os pensamentos dos homens a respeito de Deus são muito obscuros, visto que “Ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1, 18).
(...) Se nunca tivéssemos visto o sol, e o imaginássemos apenas a partir da luz que se apresenta num dia nublado, não seríamos capazes de ter uma ideia exacta a respeito dessa fonte da luz do dia. Ou se nunca tivéssemos visto uma luz branca, e a conhecêssemos pelas sete cores do arco-íris, não poderíamos conhecer a brancura.

Da mesma forma, nós mesmos não podemos ter uma ideia sobre a Essência de Deus, mas podemos apenas conhecer as Suas perfeições, que as criaturas nos apresentam em estado de multiplicidade e divisão, quando em Deus elas são todas uma unidade absolutamente simples. Deus – como ser perfeitíssimo – é o espírito mais puro e mais simples, ou seja, não contém em si partes que O componham.
(...) Não é possível perscrutar todas as perfeições que se relacionam com a Essência de Deus: elas são numerosas e difíceis de conhecer. (...) Dentre todas essas perfeições, Jesus Cristo destaca uma, da qual – como de uma fonte – brota tudo que encontramos na terra e na qual Deus quer ser glorificado por toda a eternidade. Trata-se da Divina misericórdia. “Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36).

A Misericórdia de Deus é a perfeição da Sua acção, que se debruça sobre os seres inferiores com o objectivo de retirá-los da miséria e de completar as suas falhas − é a Sua vontade de fazer o bem a todos que sofrem alguma sorte de deficiências e eles mesmos não têm condições de completá-las. O ato singular de misericórdia é a compaixão, e o estado imutável de compaixão − a misericórdia.

O relacionamento de Deus com as criaturas manifesta-se em afastar as suas falhas e em lhes conceder menores ou maiores perfeições. A concessão de perfeições considerada em si mesma, independentemente de qualquer circunstância, é uma obra da benevolência Divina, que proporciona os dons a todos, segundo a sua predilecção.

Na medida em que atribuímos a Deus o desinteresse na concessão de benefícios, nós a atribuímos à generosidade Divina. A vigilância de Deus, para que com a ajuda dos benefícios recebidos cheguemos ao objectivo que nos foi assinalado, é por nós chamada de providência. A concessão de perfeições segundo um plano e uma ordem previamente estabelecidos será uma obra de justiça. E finalmente a concessão de perfeições às criaturas com o objectivo de retirá-las da miséria e de afastar as suas falhas é uma obra de Misericórdia.

Nem em todo ser uma falha significa sua miséria, visto que a cada criatura cabe apenas aquilo que Deus antecipadamente previu e decidiu. Por exemplo, não é uma desgraça da ovelha ela não possuir a razão, nem constitui uma miséria do homem a falta de asas. No entanto, a falta da razão no homem ou de asas numa ave será uma desgraça e uma miséria. Tudo que Deus faz pelas criaturas, Ele o faz segundo uma ordem prevista e estabelecida, que constitui a justiça Divina. Mas, porque essa ordem foi aceita voluntariamente e não foi imposta a Deus por ninguém, na instituição da ordem existente é preciso ver também uma obra de Misericórdia.

Por exemplo, a salvação de Moisés, colocado num cesto sobre as águas do Nilo, entendida de maneira geral, independentemente de qualquer circunstância, será por nós chamada de bondade Divina. Mas, na medida em que dirigimos a nossa atenção ao desinteresse de Deus nessa salvação, que não Lhe era necessária e que a própria criança não mereceu, essa será uma obra da liberalidade Divina. A salvação de Moisés em razão de Deus ter decidido retirar através dele os israelitas do Egipto será por nós chamada de justiça Divina. A vigilância sobre a criança abandonada no rio e exposta a diversos perigos será por nós atribuída à providência Divina. Finalmente a retirada da criança da miséria, do abandono e das numerosas deficiências e a concessão de perfeições em forma de adequadas condições de vida, de crescimento, de educação, de instrução, será uma obra da Divina misericórdia.

Visto que em cada um dos mencionados momentos desse exemplo impressiona-nos a miséria da criança e as suas numerosas deficiências, podemos dizer que a bondade Divina é a misericórdia que cria e que doa. A liberalidade Divina é a misericórdia que favorece generosamente, sem méritos; a providência Divina é a misericórdia que vigia; a justiça Divina é a misericórdia que recompensa além dos méritos e castiga aquém das culpas; finalmente o amor de Deus é a misericórdia que se compadece da miséria humana e nos atrai a si. Em outras palavras, a misericórdia Divina é a motivação principal da acção de Deus para fora, ou seja, constitui a fonte de toda obra do Criador.

Em toda a Sagrada Escritura encontram-se mais de quatrocentas passagens glorificando directamente a misericórdia Divina. No Livro dos Salmos são cento e trinta, enquanto passagens bem mais numerosas cantam indirectamente essa Misericórdia. (...) Deus quer nos instruir a respeito da Sua vida interior, do Seu relacionamento com as criaturas, de maneira especial com os homens. Deus quer ser glorificado por nós na misericórdia, para que O imitemos nas acções.

“O Evangelho não consiste em anunciar
que os pecadores devem tornar-se bons,
mas que Deus é bom para os pecadores” (pe. Miguel Sopocko).


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