"Pela paciência participamos dos sofrimentos
do Cristo" (RB Prol 50)
Ao fim do Prólogo da Regra
de São Bento, há uma frase que gosto de citar, pois acho-a muito bonita. É
aquela em que Bento, depois de ter explicado que o mosteiro é uma escola do
serviço do Senhor, e após ter descrito em grandes linhas o programa desta escola,
conclui: "À medida que se avança na vida monástica e na fé, o coração se
dilata. E se corre o caminho dos mandamentos de Deus (Sl 118, 32), com o
coração cheio de um amor tão doce que não há palavras para exprimi-lo".
Logo depois desta frase,
segue-se uma outra, que conclui o Prólogo: "Assim, nunca nos afastando de
Deus, nosso Mestre, e cada dia perseverando no mosteiro até a morte,
continuaremos a fazer o que ele nos ensina. E assim, pela paciência,
participaremos dos sofrimentos do Cristo e mereceremos assim estar com ele em
seu Reino (Rm 8,17). AMÉM." (Em Latim, paciência (patientia) e sofrimentos
(passiones) têm a mesma raiz).
Bento não deseja que
avancemos na vida tristes e deprimidos. Espera que logo em nossa caminhada
monástica, cheguemos àquele grau de desapego e de liberdade que nos permita ser
transportados pela alegria do Espírito - uma alegria que é o fruto do amor de
Deus e do próximo que enche nossos corações. Mas é ele também muito realista
para saber que não podemos aí chegar sem o caminho que o próprio Cristo tomou,
que é o da cruz. Pela cruz se vai à ressurreição. Aos postulantes que se
apresentam ao mosteiro, é necessário, segundo Bento, ensinar desde o início os dura
et aspera pelos quais se vai a Deus.
Desejaria mencionar, entre muitos
outros textos, dois outros da Regra em que São Bento expressa sua teologia do
sofrimento. O primeiro é o capítulo 36, sobre o cuidado a dar aos irmãos
enfermos. Neste capítulo, Bento manifesta ao mesmo tempo uma profunda compaixão
e uma sólida teologia. É preciso ser paciente com os doentes, mesmo quando eles
se tornam difíceis de trato ou exigentes. Por quê? Pois eles foram assimilados
ao Cristo, porque participam em sua própria carne dos sofrimentos do Cristo, e
o Cristo aí está neles presente de um modo todo especial. A Regra do Mestre era
muito dura com qualquer fraqueza e tinha pouca simpatia pelos doentes (RM 69).
Bento prefere exagerar na misericórdia. Está de acordo com Agostinho que diz em
sua Regra (35) que é preciso sempre dar o benefício da dúvida ao doente.
É mais ou menos natural ser
sensível àqueles que estão fisicamente doentes. Mas há outras formas de
enfermidade, sobretudo as do carácter E este é o motivo de citar um segundo
texto da mesma regra. É o capítulo 72, sobre o bom zelo dos monges.
Bento fala de início de duas
formas de zelo. Há um zelo (um "fogo", como traduz a Bíblia de
Belloc) mau e amargo, que separa de Deus e conduz para longe dele para sempre.
Cada vez que nos sentimos amargos, devemos temer e rezar a Deus para que ele
nos livre deste amargor, pois, diz São Bento, ele separa de Deus e nos separa
também da comunhão com os outros e conduz ao inferno, pois o inferno é a
ausência de comunhão com Deus e com os outros. Mas, felizmente, há também um
bom zelo, aquele que leva a Deus e à vida eterna, isto é, à vida de eterna
comunhão com Deus e com os outros. E, certamente, este é o zelo que os monges
devem desenvolver com um amor fervoroso: "Cada um desejará ser o primeiro
a mostrar respeito por seu irmão".
O bom zelo que conduz a Deus
consiste então, primeiramente, em se respeitar mutuamente. Este respeito começa
evidentemente pelas boas maneiras; mas exige muito mais. Consiste, diz Bento,
de "suportar com muita paciência as fraquezas dos outros, as do corpo e as
do caráter" e a "se obedecer mutuamente de todo coração."
Bento assim termina o
capítulo, que era o último da Regra, antes de lhe ser acrescentado o capítulo
73, com a frase maravilhosa, paralela à última frase do Prólogo:
"Obedecerão mutuamente de todo coração. Ninguém procurará seu próprio
interesse, mas antes o que serve ao outro. Terão entre si um amor sem egoísmo,
como os irmãos de uma mesma família. Respeitarão a Deus com amor. Terão por seu
abade um amor humilde e sincero. Nada preferirão ao Cristo. Que ele nos conduza
todos juntos à vida eterna com Ele!"
Cristo sofreu por nós por
amor. Da mesma forma, quando Bento nos lembra os dura et aspera pelos
quais se vai a Deus e a participação na cruz de Cristo, não elabora uma
espiritualidade sombria e doentia do sofrimento pelo sofrimento. Fala das
exigências do amor que são inerentes à vida em comum. A partir do momento em
que estabelecemos as ligações de comunhão com os irmãos, somos levados a nos
suportar mutuamente em nossas enfermidades, a ter sempre em conta as
necessidades dos outros e suas fraquezas em cada uma de nossas decisões. O
Cristo não nos mostrou acaso que o caminho para a alegria se acha nesta kenosis,
esta maneira de esvaziar para ser preenchido? E não se trata simplesmente da
vida eterna após a morte. Trata-se da alegria aqui, sobre a terra, que é
verdadeira e real somente num coração que sabe se doar totalmente à alegria na
medida em que se desapega e não se volta para si mesmo.
Fonte: D. Armand Veilleux, OCSO
Capítulo na Abadia de Scourmont, Forges, Bélgica, 28 de Março de 1999.
Traduziu: Cecilia Fridman,
Rio Negro, PR, Brasil, para o Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo,
1999.
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