No calendário litúrgico, o dia de S. Martinho celebra-se a 11 de Novembro, data em que este Santo, falecido dois ou três dias antes em Candes, no ano de 397, foi a enterrar em Tours, França.
Hoje em dia, não sendo o uso do missal tão frequente, nem todos os crentes católicos se lembrarão de ver, nos dias festivos do ano, o que se diz relativamente ao dia 11 de Novembro e ao seu Santo: «São Martinho é o primeiro dos Santos não Mártires, o primeiro Confessor, que subiu aos altares do Ocidente (...) A sua festa era de guarda e favorecida frequentemente pelos dias de “verão de S. Martinho”, rivalizando, na exuberância da alegria popular, com a festa de S. João.» (in Missal de Dom Gaspar Lefebvre )
Com efeito, S. Martinho foi, durante toda a Idade Média e até uma época recente, o santo mais popular de França. O seu túmulo, abrigado desde o séc. V por uma Basílica (sucessivamente destruída e reconstruída) em Tours, era o maior centro de peregrinação de toda a Europa Ocidental. A sua generosidade e humildade, aliadas a uma enorme fama de milagreiro fizeram dele um dos santos mais queridos da população. E ainda hoje o seu espírito de partilha é fonte de inspiração.
São Martinho é santo patrono dos alfaiates, dos cavaleiros, dos pedintes, dos restauradores (hoteis, pensões, restaurantes), dos produtores de vinho e dos alcoólicos reformados, dos soldados... dos cavalos, dos gansos, e orago de uma série infindável de localidades de Beli Benastir, na Croácia, a Buenos Aires, na Argentina (fonte Catholic Community Forum) passando, evidentemente, por numerosíssimas sítios de Norte a Sul de Portugal.
O facto de o seu dia coincidir com a época do ano em que se celebra o culto dos antepassados e com a altura do calendário rural em que terminam os trabalhos agrícolas e se começa a usufruir das colheitas (do vinho, dos frutos, dos animais) leva a que a festa deste Santo tenha toda uma componente de exuberância que actualmente tende a prevalecer.
Assim, em Portugal, o dia de S. Martinho é invocado nas cerimónias religiosas dos locais de culto, e o seu espírito de solidariedade lembrado, quanto mais não seja, através do relato do episódio em que partilhou a sua capa com um pobre; mas de resto, e por todo o lado, as pessoas andam ocupadas nas actividades mencionadas nos provérbios sobre este dia: assam-se castanhas, prova-se o vinho...
Acerca do assunto, escreve o conceituado etnólogo Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990) o seguinte: «O S. Martinho, como o dia de Todos os Santos, é também uma ocasião de magustos, o que parece relacioná-lo originariamente com o culto dos mortos (como as celebrações de Todos os Santos e Fiéis Defuntos). Mas ele é hoje sobretudo a festa do vinho, a data em que se inaugura o vinho novo, se atestam as pipas, celebrada em muitas partes com procissões de bêbados de licenciosidade autorizada, parodiando cortejos religiosos em versão báquica, que entram nas adegas, bebem e brincam livremente e são a glorificação das figuras destacadas da bebedice local constituída em burlescas irmandades. Por vezes uma dos homens, outra das mulheres, em alguns casos a celebração fracciona-se em dois dias: o de S. Martinho para os homens e o de Santa Bebiana para as mulheres (Beira Baixa). As pessoas dão aos festeiros. vinho e castanhas. O S. Martinho é também ocasião de matança de porco.» (in As Festas. Passeio pelo calendário, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987)
* A Vida de São Martinho
O conhecimento que se tem da vida de S. Martinho, apelidado de apóstolo da Gália, é devido principalmente ao seu primeiro e mais dedicado biógrafo, Sulpício Severo (c.360-c.420), historiador cristão de expressão latina, nascido na Aquitânia, também declarado santo.
Quando conheceu S. Martinho, já este era bispo vivendo no entanto fiel ao ideal monástico, recolhendo-se longe do fasto do palácio episcopal. Sulpício Severo tornou-se seu discípulo, amigo e biógrafo. É graças a ele que hoje temos um relato precioso da vida deste Santo.
A Vida de S. Martinho (Vita Martini ) de Sulpício Severo que, de acordo com a professora Maria Luísa V. de Paiva Boléo, foi «um livro que teve enorme repercussão no mundo medieval. Espalhou-se até Cartago, Alexandria e Síria. Sabe-se que este livro foi muitíssimo lido (Enciclopedia Cattolica, Cidade do Vaticano, 1952, p. 220), o que era difícil numa época em que os livros eram caros e quando só o clero e monarcas mais cultos os leriam, mas o certo é que foi um verdadeiro "best-seller"» (fonte), nunca teve tantos leitores como hoje em dia, pois circula na internet em latim e em pelo menos mais dois idiomas: francês e inglês.
* Algumas datas importantes da vida de S. Martinho
316 - Nasce S. Martinho, filho de um oficial romano, na Panónia (região da actual Húngria).
326- Com apenas 10 anos e por sua vontade torna-se catecúmeno (aspirante a cristão).
330- É obrigado a ir para o exército onde pratica o ideal cristão de humildade e generosidade.
337- Dá-se o episódio lendário em que S. Martinho partilha a sua capa de soldado com um pobre.
Em data indeterminada S. Martinho abandona o exército.
354- S. Martinho chega a Poitiers onde se desloca para se juntar a Santo Hilário. Mas logo a seguir vai para a Itália com o objectivo de rever a família e evangelizar os seus conterrâneos.
355-360- S. Martinho é expulso da sua própria terra (por causa do Arianismo) e passa um tempo isolado na ilha de Galinária, no meio do Mar Tirreno.
361- S. Hilário volta para Poitiers e S. Martinho também.
361- Funda uma comunidade monástica (a primeira da Gália) em Ligugé, a 6 km de Poitiers.
371- S. Martinho torna-se Bispo de Tours, cargo que ocupará cerca de 26 anos até à sua morte.
372- Funda a comunidade monástica de Marmoutier, perto de Tours.
397- S. Martinho morre em Candes perto de Tours. No dia 11 de Novembro é enterrado com pompa e circunstância na cidade de que fora Bispo durante mais de um quarto de século.
* Provérbios de São Martinho
· A cada bacorinho vem o seu S. Martinho.
· A cada porco vem o seu S. Martinho.
· Em dia de S. Martinho atesta e abatoca o teu vinho.
· Martinho bebe o vinho, deixa a água para o moinho.
· No dia de S. Martinho, fura o teu pipinho.
· No dia de S. Martinho, come-se castanhas e bebe-se vinho.
· No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
· No dia de S. Martinho, mata o porquinho, abre o pipinho, põe-te mal com o teu vizinho. (sic.)
· No dia de S. Martinho, mata o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.
· No dia de S. Martinho, mata o teu porco e bebe o teu vinho.
· No dia de S. Martinho, vai à adega e prova o teu vinho.
· Pelo S. Martinho abatoca o pipinho.
· Pelo S. Martinho castanhas assadas, pão e vinho.
· Pelo S. Martinho mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.
· Pelo S. Martinho nem nado nem no cabacinho.
· Pelo S. Martinho prova o teu vinho; ao cabo de um ano já não te faz dano.
· O Sete-Estrelo pelo S. Martinho, vai de bordo a bordinho; à meia-noite está a pino.
· São Martinho, bispo; São Martinho, papa; S. Martinho rapa.(refere-se ao fim das festas da prova do vinho novo.)
· Se o Inverno não erra o caminho, tê-lo-ei pelo S. Martinho.
· Se queres pasmar o teu vizinho, lavra, sacha e esterca pelo S. Martinho.
· Veräo de S. Martinho säo três dias e mais um bocadinho.
· Vindima em Outubro que o S. Martinho to dirá.
Hélder Gonçalves
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