quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Discernimento

Nunca é fácil tomar decisões. Regra geral, só a necessidade de mudança nos obriga a optar, a escolher e por consequência a separar. Mas para tomar as decisões certas, ou as possíveis em determinadas circunstâncias, é necessário saber discernir.

O discernimento, para o teólogo Giuseppe Angelini, é a qualidade da alma que permite reconhecer em cada circunstância o que nos convém fazer, e sobretudo alerta-nos que em cada circunstância convém mesmo fazer qualquer coisa, isto é, tomar uma decisão.

É urgente reflectir sobre o discernimento, pois tenho a sensação de que frequentemente estamos paralisados pela indecisão, incertos se convém tomar uma atitude ou fazer de conta que nada se passa e deixamos arrastar os problemas.

Existe uma imagem que nos pode ajudar a ilustrar a indecisão no nosso quotidiano: o espectador diante do televisor, com o telecomando na mão, que insatisfeito pelos programas apresentados vai passando de canal em canal, ficando horas e horas à frente do aparelho sem na realidade ter visto nada do princípio ao fim.

Será possível decidir ver um ou outro programa antes de o ter visto efectivamente? Antecipadamente é possível ter uma vaga ideia sobre o interesse ou não que determinado programa pode ter para nós: uma opinião fundada só a teremos depois de o ver efectivamente. Esta objecção parece conduzir à desencorajante conclusão de que ver um programa é sempre uma espécie de jogo de loto: corre-se o risco de perder tempo para nada.

Mas esta conclusão não diz toda a verdade, porque ignora a diferença entre olhar para ver se vale a pena continuar e olhar tendo já decidido continuar a ver com a expectativa e o desejo de compreender. Quem olha com o desejo de compreender vê muito mais coisas porque tem um interesse e está empenhado activamente na visão.

Também pode acontecer que depois de olhar para algo com interesse nos apercebamos de que afinal o que vemos não está à altura das nossas expectativas. Neste caso, podemos sempre escolher desligar o televisor e ocupar o tempo com outras actividades.

A dificuldade em saber discernir reside precisamente na falta de pôr em prática esta virtude, vivendo como expectadores da nossa vida e não como protagonistas da mesma. Por isso é que para descobrir o que convém na nossa vida é preciso ter a coragem dos próprios desejos e alicerçar esses desejos no confronto com a realidade. Só desta maneira poderemos deixar crescer, aprofundar, corrigir ou alterar as escolhas na nossa vida.

A cultura do nosso tempo habituou-nos a pensar o agir humano como se tivéssemos sempre de justificar o objectivo das nossas escolhas. Quando, na verdade, as formas mais importantes do agir humano não se justificam em relação a determinados objectivos, que possam ser definidos ou escolhidos antecipadamente.

Na verdade o que convém ao ser humano não se decide antecipadamente, pois não se julga antecipadamente se convém viver, para depois decidir se queremos ou não nascer.

«No mundo encontramo-nos sem o termos escolhido. E, contudo, não permanecemos nele, ou melhor, não vivemos verdadeiramente sem o escolher», sublinha o teólogo Angelini. E conclui: «Com tanta frequência estamos indecisos a propósito daquilo que nos convém fazer em cada situação, porque na realidade ainda não decidimos se nos convém viver e para que vivemos.»

HÉLDER GONÇALVES 

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