Nunca é fácil tomar decisões. Regra geral, só a necessidade de mudança
nos obriga a optar, a escolher e por consequência a separar. Mas para tomar as
decisões certas, ou as possíveis em determinadas circunstâncias, é necessário
saber discernir.
O discernimento, para o teólogo Giuseppe Angelini, é a qualidade da
alma que permite reconhecer em cada circunstância o que nos convém fazer, e
sobretudo alerta-nos que em cada circunstância convém mesmo fazer qualquer
coisa, isto é, tomar uma decisão.
É urgente reflectir sobre o discernimento, pois tenho a sensação de que
frequentemente estamos paralisados pela indecisão, incertos se convém tomar uma
atitude ou fazer de conta que nada se passa e deixamos arrastar os problemas.
Existe uma imagem que nos pode ajudar a ilustrar a indecisão no nosso
quotidiano: o espectador diante do televisor, com o telecomando na mão, que
insatisfeito pelos programas apresentados vai passando de canal em canal,
ficando horas e horas à frente do aparelho sem na realidade ter visto nada do
princípio ao fim.
Será possível decidir ver um ou outro programa antes de o ter visto
efectivamente? Antecipadamente é possível ter uma vaga ideia sobre o interesse
ou não que determinado programa pode ter para nós: uma opinião fundada só a
teremos depois de o ver efectivamente. Esta objecção parece conduzir à
desencorajante conclusão de que ver um programa é sempre uma espécie de jogo de
loto: corre-se o risco de perder tempo para nada.
Mas esta conclusão não diz toda a verdade, porque ignora a diferença
entre olhar para ver se vale a pena continuar e olhar tendo já decidido
continuar a ver com a expectativa e o desejo de compreender. Quem olha com o
desejo de compreender vê muito mais coisas porque tem um interesse e está empenhado
activamente na visão.
Também pode acontecer que depois de olhar para algo com interesse nos
apercebamos de que afinal o que vemos não está à altura das nossas
expectativas. Neste caso, podemos sempre escolher desligar o televisor e ocupar
o tempo com outras actividades.
A dificuldade em saber discernir reside precisamente na falta de pôr em
prática esta virtude, vivendo como expectadores da nossa vida e não como
protagonistas da mesma. Por isso é que para descobrir o que convém na nossa
vida é preciso ter a coragem dos próprios desejos e alicerçar esses desejos no
confronto com a realidade. Só desta maneira poderemos deixar crescer,
aprofundar, corrigir ou alterar as escolhas na nossa vida.
A cultura do nosso tempo habituou-nos a pensar o agir humano como se
tivéssemos sempre de justificar o objectivo das nossas escolhas. Quando, na
verdade, as formas mais importantes do agir humano não se justificam em relação
a determinados objectivos, que possam ser definidos ou escolhidos
antecipadamente.
Na verdade o que convém ao ser humano não se decide antecipadamente,
pois não se julga antecipadamente se convém viver, para depois decidir se
queremos ou não nascer.
«No mundo encontramo-nos sem o
termos escolhido. E, contudo, não permanecemos nele, ou melhor, não vivemos
verdadeiramente sem o escolher», sublinha o teólogo Angelini. E conclui: «Com tanta frequência estamos indecisos a
propósito daquilo que nos convém fazer em cada situação, porque na realidade
ainda não decidimos se nos convém viver e para que vivemos.»
HÉLDER GONÇALVES
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