Através do deserto, na experiência do Êxodo e do Sinai, Israel forjou-se como povo numa relação íntima de Aliança com o seu Deus. O deserto foi o caminho “obrigatório”, que o povo de Deus teve de percorrer antes de entrar na Terra prometida.
O caminho foi escolhido por Deus, mesmo não sendo o mais curto (Ex 3,17), porque Deus queria ser o guia do seu povo (Ex 13,21). No deserto, o povo adorou a Deus, recebeu a Lei e fez a Aliança que transformou os escravos fugidos no povo de Deus. Deus fez o povo no deserto para o levar à Terra prometida. E o deserto tornou-se um autêntico itinerário pedagógico para o povo de Deus.
Deserto: caminho da escravidão à liberdade
Sair da escravidão (do Egipto) é o início do caminho para a Terra. O caminho-deserto passa pelo afastamento do bem-estar (pago com escravidão), e leva à realização das promessas feitas por Deus a Abraão (Gen 12,1-9).
A experiência do deserto transforma-se num lugar de vida e de morte, num lugar de prova. A força do povo e a sua consistência radicam na fidelidade à Aliança, que faz deles o povo de Deus.
Mas desde o início vemos que os hebreus murmuram contra o Senhor: não há segurança, não há água, não há carne! (Ex 14,11; 16,2ss; 17,2ss; Nm 14,2ss; 16,13ss; 20,4ss, 21,5). Diante das dificuldades o povo suspira pelas cebolas do Egipto, sem pensar que isso era o regresso à escravatura.
O triunfo da misericórdia de Deus
Apesar das “murmurações” do povo e da completa escassez de recursos, a experiência do deserto proporcionou ao povo diversas ocasiões para sentir a misericórdia de Deus. É quanto nos demonstra o livro do Deuteronómio.
Deus é um educador. Através das provas do deserto, Israel aprendeu qual o comportamento que deveria assumir diante de Deus.
No deserto, o povo aprendeu que toda a sua vida depende de Deus.
Os profetas e o deserto
Para os profetas, homens escolhidos por Deus para comunicar a Palavra ao povo, o deserto é um lugar privilegiado. O Segundo Isaías- um profeta que acompanhara o povo de Judá no exílio da Babilónia – anúncia poeticamente o seu regresso ( que teria lugar no ano 538 ac.), utilizando a metáfora do deserto que se transforma em jardim (Is 43,18-21).
Para o profeta Oseias, o deserto representa o lugar da salvação e do perdão: “É assim que a vou seduzir: ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração” (Os 2,16).
A experiência de Jesus no deserto
Jesus, depois do Baptismo, é levado ao deserto pelo Espirito. Retira-se quarenta dias para o deserto da Judeia, onde vence as tentações de Satanás (Lc 4,1-13).
Tal como para Israel, também para Jesus o deserto é o lugar da prova. A tentação é superada com a entrega de si mesmo a Deus e à sua palavra: “Nem só de pão vive o homem”; “Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto” e “Não tentarás ao Senhor, o teu Deus”.
Na sua vida pública, Jesus utilizou o deserto como refúgio contra as multidões e como lugar para a oração (Lc 4,42-44).
Jesus: caminho, verdade e vida
Jesus é aquele que realiza na sua pessoa os dons maravilhosos de outrora. Ele é a água viva, o pão do céu, o caminho e o guia; Ele é Aquele em quem se realiza a intimidade com Deus, pela comunhão com a sua Carne e o seu Sangue.
Em certo sentido podemos afirmar que Jesus Cristo é o nosso deserto; n’Ele superamos a prova, n’Ele temos a comunhão perfeita com Deus.
Para o cristão, a “espiritualidade do deserto” é, acima de tudo, ver Jesus Cristo como “caminho, verdade e vida” (Jo 14,6); ao encontra-lo, tornamo-nos “sal e luz” no meio dos desertos de hoje: o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído… o deserto do esquecimento de Deus, do vazio das almas que já não têm consciência da dignidade e do rumo do homem.
HÉLDER GONÇALVES
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