sexta-feira, 7 de setembro de 2012

IGREJA SAGRADA FAMILIA

Inauguração da Igreja Nova da Sagrada Família


“Nós somos as pedras vivas do Templo do Senhor; somos Povo Sacerdotal, Igreja Santa de Deus “
(1Pe 2, 5)

A nossa comunidade, Paróquia de Nossa Senhora de Fátima em Viana do Castelo, prepara-se para inaugurar e dedicar amanhã, 8 de Setembro 2012 às 17h00, a Igreja Nova da Sagrada Família.

É o sonho e o concluir de uma etapa de muitos anos de trabalho e contributo dos seus paroquianos e não só.

É um edifício sagrado destinado ao culto divino após o dia da sua dedicação que há muitos anos esta comunidade espera por causa da falta de espaço para as suas actividades diversas e as próprias celebrações litúrgicas.

A construção de uma Igreja nova é – deve ser – um desafio pastoral para toda a comunidade. A abertura solene da Igreja não significa que se acabaram os trabalhos; ao contrário, este passo marca o início ou a continuidade de um trabalho permanente e contínuo que consiste na aposta na Iniciação cristã e formação permanente da comunidade.

Neste contexto, importa reflectir e perspectivar a passagem que é necessário a Comunidade Paroquial de Nossa Senhora de Fátima concretizar, no sentido de passar do simples lugar (agora novo e belo) a espaço vital, redefinindo o seu modo de ser, estar e ser na comunidade e no sentido de fazer desta Nova Igreja uma casa comum.

A Igreja-edifício é o lugar da reunião da comunidade paroquial. Todos os que na comunidade se reconhecem filhos de Deus, enxertados em Cristo, habitados pelo Espírito Santo, encontram neste lugar a referência geográfica que evoca e convoca outra referência, de ordem espiritual, e que é a sua pertença a uma comunidade, instituída e conduzida por Cristo, na pessoa do seu pastor. Este lugar torna-se assim a matriz configuradora do existir-em-Cristo, no seio da comunidade paroquial. Ter uma igreja nova, de pedra e cal, é fundamental se apoiada e sustentada por pedras vivas; uma igreja, por mais bela e cómoda que seja, se não for casa de família da comunidade, se não for lugar de encontro e celebração com Cristo e com os outros, se não for lugar de sintonia entre a fé e a vida, se não for lugar de para fazer perguntas e encontrar respostas, será apenas um edifício belo e cómodo, sem a vida que lhe é inerente.

Importa por isso e agora que há uma nova igreja, um novo edifício, dar vida a esta Casa de Deus e Casa da Comunidade e isto faz-se, fundamentalmente, pela exercitação da vida-em-Cristo:

• pela participação activa e consciente na reunião dominical, a Eucaristia, e nos outros sacramentos;

• pela colaboração séria e empenhada nos diversos serviços paroquiais;

• pelo testemunho de vida e de palavra firme e sereno;

• pela caridade audaz e comprometida e pela leitura atenta e evangélica dos sinais dos tempos.


Cada um destes aspectos exige e reclama um modo de estar novo na igreja nova, uma caminhada espiritual de conversão e Páscoa, de modo a que, a partir da igreja-edifício se passe, consciente e assumidamente, à igreja-comunidade, à igreja-edifício-espiritual, à igreja de que Cristo é a pedra angular.

A nova igreja, pela sua criatividade arquitectónica e cuidado litúrgico, impulsiona cada um, na comunidade, a um novo modo de ser que se concretiza no modo de estar: estar em celebração. Trata-se de aceitar que a configuração do edifício e a sua pertinência litúrgica nos associa ao mistério pascal de Cristo, que no memorial da Eucaristia, reedifica o seu Corpo.

O desafio pastoral da nova igreja é exactamente o de impulsionar um processo participativo que impulsiona cada um, não simplesmente a estar (inactivo e inerte, como espectador), mas a celebrar, a incorporar-se na dinâmica existencial do que nela se celebra e acontece salvificamente. Este “incorporar-se” na celebração implica “o corpo inteiro” e a alma, isto é, implica uma opção firme e permanentemente reiterada de fazer comunidade, de refazer, alargar e potenciar todos os canais da graça.

A altura e a profundidade, o comprimento e a largura da nova igreja dizem a cada um que, sozinho, é pequeno, frágil e impotente, ao passo que, em comunidade – com os irmãos em Cristo -, se tornam sinal e símbolo dos bens do alto a que aspiramos, das coisas terrenas que queremos santificar, da aventura larga que é estar no mundo sem ser do mundo, da amplitude e universalidade do nosso ser-em-Cristo e ser Igreja Católica. Não deve, pois, entender-se este espaço unicamente como um lugar de uso privado, a que se vem para o encontro a sós com Deus, mas como um âmbito de comunhão e encontro com Deus e com os irmãos. Esta casa é uma casa de família e se é, em alguma ocasião e para alguém, um lugar de refúgio, é-o na exacta medida em que se procura e se possibilita a comunhão. É uma casa onde cada um se faz e se refaz para ser comunidade.

O desafio pastoral da nova igreja será o de “fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão” (João Paulo II, NMI, 43). Trata-se de, num primeiro âmbito, trabalhar incansavelmente por fazer acontecer a comunhão: a comunhão na mesma fé (a fé da Igreja que inclui a de cada um e a que cada um se referencia), a comunhão no mesmo celebrar e rezar (celebramos o mesmo Cristo) e a comunhão no mesmo viver e sentir (apesar das nossas e tantas diferenças). O que nos une é mais amplo e abrangente do que as razões, habitualmente de ordem emocional, que nos separam.

Num segundo âmbito, trata-se de “promover uma espiritualidade da comunhão”, elevando-a ao nível de princípio educativo em todos os lugares onde se plasma o homem e o cristão (NMI, 43). Do ponto de vista prático, há que compreender que a “espiritualidade da comunhão significa em primeiro lugar ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade, que habita em nós e cuja luz há-de ser percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor; (…) significa também a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo místico, isto é, como “um que faz parte de mim”, para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade; (…) é ainda a capacidade de ver antes de mais nada o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um “dom para mim”, como o é para o irmão que directamente o recebeu; (…) é saber “criar espaço” para o irmão, levando “os fardos uns dos outros” (Gal 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes” (João Paulo II, NMI, 43).

Esta espiritualidade de comunhão há-de tornar-se visível na nova igreja: um lugar onde se vai e onde se está e donde se vem re-feito (e satis-feito), apesar de sadiamente incomodado, e não des-feito, dividido e revoltado. Isto é tarefa que depende absolutamente de todos, é processo de que todos são responsáveis, individualmente e com os outros (co-responsáveis).

De um lugar belo, luminoso, ordenado, onde cada coisa está no seu lugar e do qual se capta simbolicamente o sentido e o significado e onde se está bem, só pode sair-se com os mesmos atributos. Como se houvesse uma transfusão de beleza, bondade e justiça do edifício / lugar para o interior da comunidade da qual se faz parte, se é pedra viva. A experiência destas dimensões impulsiona cada um, individualmente e em comunidade, a sair de lá renovado, fortalecido, reorientado e capacitado, pela graça recebida, de ir em missão e fazer das palavras e atitudes de cada dia um testemunho singelo com efeitos incontáveis. Há um dinamismo que a fé, professada, celebrada e vivida em comunidade, na casa da família, gera e que é absolutamente inédito: quando celebramos a fé levamos ao coração de Deus, em Cristo, as alegrias e as angústias, as esperanças e os sonhos do mundo e trazemos de lá a Boa Nova capaz de dar um sentido e uma resposta de vida feliz e eterna ao mundo. Nem toda a gente celebra (ou pode celebrar) a fé, mas a celebração da fé pode chegar a todos, pela palavra, atitudes, razões e sentimentos de que a celebra e depois a partilha.

O desafio pastoral da nova igreja da Sagrada Família é o de perceber que não é só ponto de chegada, mas também e simultaneamente ponto de partida. Esta percepção há-de ter repercussões no modo de apreender a fé da Igreja como um processo dinâmico e comunitário, com implicações reais e concretas na vida do dia-a-dia e não de modo individualista e intimista; no modo de celebrar que supera os gostos e sensibilidades individuais e traduz a linguagem da fé para hoje; no modo de viver os diversos ministérios e serviços na comunidade e de viver os problemas quotidianos; no modo de testemunhar a fé, concebendo este testemunho como uma proposta, uma mais-valia de sentido e não como proselitismo ou conquista.

Os espaços, oferecidos pela nova igreja, hão-de entender-se como oportunidades para promover serviços e atitudes sadias de caridade, solidariedade social, cultura e descanso, como âmbito de culto e de cultura. Este novo espaço não é um espaço do qual nos podemos servir conforme as necessidades individuais, grupais ou sociais, como se fosse um direito, mas terá de ser um espaço com dever de servir quando e na medida em que a comunidade se sentir interpelada a fazê-lo. Trata-se de converter a mentalidade e compreender que este é um espaço do qual eu me sirvo, não por razões pessoais e interesseiras, mas para me colocar numa atitude de serviço, ao próprio espaço, à comunidade e a todos os outros.

Os espaços amplos, polivalentes e variados de que a comunidade vai usufruir, amplificam e diversificam as possibilidades de serviços que a comunidade deve proporcionar. E este é um desafio pastoral que deve assumir-se porque é uma das formas privilegiadas de testemunho e de proposta da fé.

De entre os diversos serviços que a comunidade deve prestar, três merecem especial menção, em razão da sua importância teologal e pastoral:

• o exercício audaz e comprometido da caridade, apontado por S. Paulo como o distintivo e decisivo da identidade cristã (1 Cor, 13, 1 e sgs), e que diversos grupos paroquiais tomam como principal responsabilidade, em nome de todos da comunidade. “A caridade tomará então necessariamente a forma de serviço à cultura, à política, à economia, à família, para que em toda a parte sejam respeitados os princípios fundamentais de que depende o destino do ser humano e o futuro da civilização” (João Paulo II, NMI, 51).

• a leitura atenta e evangélica dos sinais dos tempos, tão premente nestes dias conturbados e politicamente tão fragmentada e radicalizada. “E como ficar indiferentes diante das perspectivas dum desequilíbrio ecológico, que torna inabitáveis e hostis ao homem vastas áreas do planeta? Ou face aos problemas da paz, frequentemente ameaçada com o incubo de guerras catastróficas? Ou frente ao vilipêndio dos direitos humanos fundamentais de tantas pessoas, especialmente das crianças? Muitas são as urgências, a que o espírito cristão não pode ficar insensível” (João Paulo II, NMI, 51).

• a cultura séria, de cariz popular e/ou outra, que capacita a dimensão festiva e jubilosa da vida, tão próxima da esperança.


Em síntese, e como propôs o Papa João Paulo II para este novo milénio, importa concluir: “Devemos procurar que os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, como “em sua casa”. Não seria, este estilo, a maior e mais eficaz apresentação da boa nova do Reino? Sem esta forma de evangelização, realizada através da caridade e do testemunho da pobreza cristã, o anúncio do Evangelho — e este anúncio é a primeira caridade — corre o risco de não ser compreendido ou de afogar-se naquele mar de palavras que a actual sociedade da comunicação diariamente nos apresenta. A caridade das obras garante uma força inequivocável à caridade das palavras” (NMI, 50).


Aponto alguns desafios gerais a serem entendidos como caminhos de conversão e mudança, e consequentemente, como processos de ressurreição a encetar, individual e comunitariamente. Vejamos alguns desafios concretos, ligados à vertente litúrgica que a nova igreja potencia e possibilita de modo nobre e belo.

Alguém que faz da Casa de Deus e Casa da Comunidade a sua casa de família, quer que outros façam esta descoberta e esta experiência. Fundamental para a concretização deste desejo é o acolhimento, que é – deve ser – uma característica própria da comunidade cristã, na fidelidade a Deus que é Amor.

Esta não é uma estratégia de “marketing”, mas um modo de ser e estar desta família que se reúne neste lugar. O próprio lugar – a igreja – é e simboliza o acolhimento que Deus faz a quem quer ser iniciado e incorporado na comunidade. É imperioso reconhecer que, hoje, o acolhimento é missão de todos e cada um. O objectivo do mesmo é que cada um se sinta em casa e se sinta bem e não seja e não faça como o irmão mais velho da Parábola do Filho Pródigo. É verdade que o acolhimento não é uma tarefa fácil e exige um tacto e uma sensibilidade especiais.

O novo espaço litúrgico abre novas possibilidades para o acolhimento efectivo:

• mostra-o a Porta, alta, grande, mostrando assim que este é e será um espaço sempre aberto a quem se deixar interpelar, converter e dinamizar pela fé e pela vida da Igreja;

• mostra-o a Nave, espaço da assembleia, unido ao presbitério, onde todos caberão e todos farão falta, como pedra viva da construção espiritual que Cristo nos faz participar;

• mostra-o as grandes janelas, dando a entender que aqui tudo é – quer ser – claro, limpo e transparente, para que todos possam aproximar-se em razão da verdade e da lisura que vêem e querem experimentar;

• mostra-o o espaço exterior circundante, que abre o edifício à paisagem e abre a paisagem ao edifício; este aspecto é importante porque faz perceber que o acolhimento não se faz apenas do lado de dentro, mas começa antes, começa fora e continua, perpetua-se (de dentro para) fora.


Todos estes lugares hão-de possibilitar uma participação próxima e efectiva na celebração dos sacramentos e da liturgia, celebrados com sensibilidade e solicitude pela especificidade da assembleia reunida e acolhida neste lugar.


Na nova igreja, a Fonte Baptismal estabelece um contacto (também visual) entre o exterior e o interior, dando a entender que esta é a porta que abre a pessoa à fé e lhe possibilita a passagem a uma nova condição existencial e espiritual: a de filho predilecto de Deus, de discípulo de Cristo, de templo do Espírito Santo e de membro da Igreja. A compreensão da importância e centralidade teológica, há-de dar à comunidade uma tripla responsabilidade: a de gerar, fazer nascer e iniciar para a fé e a vida da Igreja.

A responsabilidade de gerar precede qualquer processo ou itinerário e concretiza-se no testemunho que a comunidade faz da verdade de si mesma, na fidelidade a Jesus Cristo. É o testemunho que fecunda e acompanha o processo de gestação de novos discípulos de Cristo. Este testemunho acontece na vida de cada dia, na vivência das alegrias e esperanças, das angústias e tribulações e leva à celebração do mistério da vida que se (con)centra (no lugar) da Eucaristia.

A responsabilidade de fazer nascer, simbolicamente expressa na Fonte Baptismal, refaz a comunidade, dando-lhe novos membros e retomando o ciclo da vida cristã. O Baptistério é a porta que abre a comunidade a um modo de ser e de estar: ser-em-Cristo e estar-em-comunidade. O baptizado é aquele que nasce e renasce, morre e ressuscita em Cristo, permanentemente. Assim, a comunidade vive em PREC, isto é, em Processo de Renascimento / Ressurreição em Curso.

A responsabilidade de iniciar à fé e à vida da Igreja é própria da comunidade que se enraíza em Cristo e faz da celebração um encontro autêntico, verdadeiro e profundo com Cristo. Iniciar é perfumar quem se aproxima da Igreja com o perfume de Cristo, o perfume que transforma a vida, o perfume que contamina de beleza a existência.

O novo espaço litúrgico tem todas as condições para que a comunidade assuma e desenvolva cada uma destas responsabilidades. Assim entenda cada um e todos juntos, em comunidade, que a Nova Igreja potencia e capacita cada uma e todas estas responsabilidades.

Na Nova Igreja destaca-se e assume relevo especial, pela grandeza e altura, o espaço da assembleia e a sua ligação ao presbitério e a outros espaços. A amplitude deste espaço desafia a comunidade a estar de modo novo, reconhecendo-se, conscientemente, como assembleia convocada por Deus (ecclesia), onde todos são iguais em dignidade diante de Deus, embora com serviços e ministérios distintos, e em que todos estão chamados a aspirar às coisas do alto. Este “ser assembleia” convocada há-de configurar o modo renovado de estar na assembleia e na comunidade.

Neste contexto, a Nova Igreja deverá ser:

• Um meio vital onde se aprende a ser e a viver em e como comunidade, na unidade da mesma fé (a fé da Igreja) e na rica diversidade de serviços, ministérios e talentos;

• Um lugar de descoberta e encontro de sentido(s) para a vida e para as questões do quotidiano;

• Uma proposta de beleza e de fruição estética por referência ao Cristo, numa experiência gozosa de contemplação da verdade e da lisura do mesmo Cristo;

• Uma autêntica “escola” de oração, “onde o encontro com Cristo não se exprima apenas em pedidos de ajuda, mas também em acção de graças, louvor, adoração, contemplação, escuta, afectos de alma, até se chegar a um coração verdadeiramente “apaixonado”. Uma oração intensa, mas sem afastar do compromisso na história: ao abrir o coração ao amor de Deus, aquela abre-o também ao amor dos irmãos, tornando-nos capazes de construir a história segundo o desígnio de Deus.” (João Paulo II, NMI, 33);

• Uma escola de caridade, onde, em união com a fé e a esperança, se faz e refaz a identidade cristã.


A escuta da Palavra de Deus, como palavra viva que interpela, orienta, plasma a existência, é um desafio a que terá de dar-se atenção na hora de potenciar a Nova Igreja. “Alimentar-nos da Palavra para sermos “servos da Palavra” (…) é, sem dúvida, uma prioridade da Igreja (…)” (João Paulo II, NMI, 40). Nunca será demais salientar a importância e dignidade da Palavra de Deus. O novo ambão evidencia estas características, mas precisa de ser completado, na sua plenitude, com uma proclamação cuidada e perfeita, no sentido de ecoar, do modo mais limpo e claro possível, no coração da comunidade.

A Nova Igreja constitui um desafio aos serviços litúrgicos; estes hão-de colocar-se numa atitude de verdadeiro e empenhado serviço, na medida em que tornam visível e audível, os sinais da graça de Deus. Potenciar a escuta da palavra reclama que se potencie e cuide a proclamação da mesma palavra. Escutar é, no contexto da celebração dos sacramentos, uma forma activa de participação nos mesmos. Uma comunidade que se põe à escuta da palavra de Deus é uma comunidade que não vive de si nem para si, mas de Deus e para Deus, no serviço aos outros. Diremos, correndo o risco de cair num lugar-comum, que, na Nova Igreja, tudo nos fala de Deus e tudo nos silencia para que nos abramos à força e ao dinamismo da (única) palavra viva de que importa viver e com a qual é crucial empenhar e comprometer a vida.

Escutar, meditar e viver a Palavra de Deus levará a comunidade e cada um à (nova) evangelização, experienciando em nós o sentimento ardente de Paulo que o levava a exclamar: “Ai de mim se não evangelizar!” (1 Cor 9,16). “Quem verdadeiramente encontrou Cristo, não pode guardá-Lo para si; tem de O anunciar” (João Paulo II, NMI, 34). A escuta, meditação e encarnação da Palavra de Deus levará a comunidade a semeá-la no campo do mundo e a partilhá-la na mesa da aventura comum.

Ao celebrar a Páscoa, não só uma vez por ano mas todos os domingos, a Igreja continuar a indicar a cada comunidade e a cada um “o eixo fundamental da história, ao qual fazem referência o mistério das origens e o do destino final do mundo”. A Eucaristia dominical é a Páscoa semanal. E sentar-se à mesa da Eucaristia é uma atitude natural de quem vive de Cristo e para Cristo. Esta é uma experiência com dois mil e oito anos de história, quando Cristo ressuscitado trouxe aos Apóstolos o dom da paz e do Espírito (cf. Jo 20,19-23).

Assim, para a comunidade, a Nova Igreja é o Cenáculo, onde a Páscoa e o Pentecostes se refaz, pela participação na Eucaristia. Esta, há-de ser:

• “Para cada baptizado, o coração do domingo: um compromisso irrenunciável, abraçado não só para obedecer a um preceito mas como necessidade para uma vida cristã verdadeiramente consciente e coerente” (João Paulo II, NMI, 35);

• Para cada discípulo de Cristo, a Eucaristia é incorporação da “manducação da fé” (Sto Agostinho). O pão que se come e o vinho que se bebe são o símbolo sacramental da presença real da pessoa que se dá por meio deles. O corpo que se recebe é todo o corpo de Cristo. Este alimento incorpora o crente no caminho pascal de Cristo. Sentar-se à mesa e comungar o corpo de Cristo é, por conseguinte, um acto de inserção no mesmo dinamismo do Espírito que ressuscitou Jesus. Comer o Corpo de Cristo significa deixar-se vivificar, aqui e agora, pela vida que brota da sua ressurreição. A Eucaristia é alimento para a vida cristã;

• Para a comunidade, a Eucaristia é concretização duma pedagogia da comensalidade em ordem a fazer descobrir e ajudar a viver a eucaristia como comida celebrativa festiva, com um ritmo e uma estrutura próprios (segundo os relatos da instituição da eucaristia): Ele – eles/nós – em relação – em redor – da mesma mesa – e comida…

• Para cada um, o fazer a experiência da mesa comum, de sentar-se “à volta da mesa da Palavra e do Pão de vida, a Eucaristia dominical é também o antídoto mais natural contra o isolamento; é o lugar privilegiado, onde a comunhão é constantemente anunciada e fomentada” (João Paulo II, NMI, 35).

O edifício-igreja é o lugar onde o encontro e a comunhão de Deus com o homem e do homem com Deus se faz e acontece sacramentalmente para a plenitude da vida. O ser e estar na Nova Igreja reclama de cada um, em comunidade, um modo novo renovado de estar e ser sinal do Corpo de Cristo.


Este ser sinal do Corpo de Cristo concretiza-se:

• Na articulação entre o que se celebra e se vive e vice-versa. É preciso “eucaristizar a vida” ou iniciar a um “viver eucarístico”. O “fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19) não é o pedido ou a encomenda dum ritual, mas é uma exigência que configura um modo de viver e de celebrar. “O ‘memorial’ de Jesus realiza-se na existência e celebra-se na eucaristia. É esta indissolúvel relação que S. Paulo lembra aos cristãos de Corinto quando eles se limitam a repetir os gestos da ceia de Jesus, sem viver na comunidade o amor total que na Eucaristia se manifesta. O apóstolo diz claramente que sem as atitudes eucarísticas, “isso que celebrais não é a ceia do Senhor” (1 Cor 11, 20);

• Na edificação vital da comunhão. A vida de Jesus foi comunhão total e radical com o Pai. O mesmo acontece com os seus discípulos, ou seja, a vida autêntica e profunda dos discípulos de Jesus é a comunhão com Deus, na experiência de Deus-Amor que gera gratuidade amorosa, na experiência de Deus entregue e aceite que gera e possibilita vida amorosa. A vida cristã é, portanto, encontro, diálogo, intimidade, comunhão. A Eucaristia é o “lugar” onde esta comunhão se possibilita sacramentalmente de modo único e inefável. Ser sinal do Corpo de Cristo implica, para a comunidade, ser lugar onde se possibilita o encontro e a comunhão com Deus, de modo a que brote do coração de todos a confissão de fé de que não se pode viver sem a eucaristia; de modo que a inteligência procure a iluminação inteira da memória e da presença que se celebra; de modo que ajude a fazer comunhão quotidiana, no serviço e na missão; de modo que ajude ao louvor perfeito, “em espírito e verdade”.

• No professar e viver a experiência duma “presença”. A Eucaristia é memorial, encontro, adesão, seguimento, permanência em Jesus e com Jesus; é deixar-se invadir pelo dinamismo da sua vida pascal. A Eucaristia de Jesus torna-se a Eucaristia do crente se este se reconhece filho no Filho e com o Filho, se este se faz cristo com Cristo, nova criatura com o Primogénito da nova humanidade, se este é consepultado com Cristo, se é conressuscitado com Cristo. O núcleo da existência eucarística é “viver ‘Cristo em mim e eu em Cristo’; ‘Cristo presente a mim e eu presente a Ele’, ‘Cristo dado a mim em comunhão e eu oferecido a Ele em comunhão’.”

• No viver a comunhão em comunidade. A comunhão com Deus e com Cristo, no Espírito Santo, concretiza-se necessariamente na comunhão com os irmãos. O amor a Deus gera o amor aos irmãos. A existência cristã só pode autenticamente designar-se de cristã quando se vive no amor inteiro a Deus e aos irmãos. É sobre este alicerce que acontece e se constrói a acção Eucarística. Só quem vive a dinâmica da vida entregue “pode realizar a acção singular de pertencer à comunhão do ‘Corpo de Cristo’.”


A comunidade cristã é o âmbito da expressão e da comunhão com Deus. Na Comunidade realiza-se a entrega dos crentes a Deus e a Cristo. A comunidade é o corpo de Cristo e a Eucaristia é o sacramento do corpo de Cristo, que é a Igreja.

Uma Igreja Nova, depois de tantos empenhos, lutas e canseiras para a sua construção, reclama uma renovação do edifício espiritual que é a comunidade, sob pena de que a comunidade não seja digna do novo edifício de que dispõe. Como o crescimento humano e espiritual da comunidade fez sentir necessidade de uma nova igreja, assim esta faça surgir agora, na comunidade, o desejo de se aperfeiçoar permanente e constantemente. Não terá sentido celebrar a abertura de uma Nova Igreja se a comunidade paroquial – a verdadeira Igreja – for ou continuar velha e resistente ao apelo de renovação que vem do Evangelho e, hoje, de todos os lados. Esta renovação não pode ficar-se pela geografia e pelas suas variantes externas e exteriores, mas deve chegar e fazer-se desde o coração, um coração novo, capaz de se render à beleza de ser e de se querer Nova Jerusalém, Igreja Santa de Deus.

HÉLDER GONÇALVES

Em breve colocarei as fotos da inauguração da Igreja Nova

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