Um caminho já começado mas ainda não acabado: A Fé - Creio na Igreja
As duas questões principais do artigo da Fé sobre o Espírito Santo e a Igreja
Claro
está que não pode ser nossa intenção desenvolver, no presente contexto, uma
doutrina completa da Igreja; prescindindo das questões teológico-técnicas
isoladas, tentaremos apenas identificar brevemente o verdadeiro motivo da
irritação que nos acomete e atrapalha quando pronunciamos a fórmula "Santa
Igreja Católica”, procurando, então, encontrar uma resposta condizente com a
intenção implícita no texto da própria profissão de fé. […] Mesmo assim, convém
exteriorizar aqui o que nos aflige nesta passagem. Se formos sinceros, teremos
de admitir que gostaríamos de afirmar que a Igreja não é nem santa, nem católica.
O próprio Concílio Vaticano II teve a coragem de não falar apenas da Igreja
santa, mas também da Igreja pecadora; se há uma crítica a fazer ao concílio, só
pode ser a de ter sido até muito tímido na sua afirmação tendo em vista a
intensidade da impressão de pecaminosidade da Igreja na consciência de todos
nós.
Para
além da santidade da Igreja, parece-nos questionável também a Sua catolicidade.
A túnica de uma só peça do Senhor foi rasgada em pedaços pelos grupos
contraentes e a Igreja una foi dividida em muitas igrejas, cada uma das quais
afirma com mais ou menos intensidade ser a única autêntica. Desta maneira, a
Igreja tornou-se hoje para muitos o principal obstáculo à fé. Eles só conseguem
ver os esforços humanos em demanda do poder e as táticas mesquinhas daqueles
que, afirmando serem os administradores oficiais do cristianismo, mais parecem
atrapalhar a manifestação do verdadeiro espírito cristão.
Não
há nenhuma teoria que possa refutar definitivamente estes pensamentos de fundo
meramente racional; por outro lado, eles também não são de origem puramente
racional, misturados que estão com a amargura de um coração eventualmente
muito decepcionado com as suas expectativas elevadas e que, no seu amor magoado
e ferido, só é capaz de sentir que se desmorona a sua esperança.
Como
responder, então? Em última análise, só nos resta confessar o motivo que nos
leva, apesar de tudo isso, a amar esta Igreja na fé, a ousar reconhecer, mesmo
por detrás desse rosto desfigurado, o rosto da santa Igreja. Mas comecemos,
mesmo assim, pelos elementos objetivos. Já vimos que a palavra «santa» em todos
esses enunciados não se refere à santidade de pessoas humanas - trata-se, na
verdade, de uma alusão ao dom divino que concede a santidade no meio da
imperfeição humana.
No
«símbolo», a Igreja não é qualificada de «santa» por se pensar que os seus membros
são todos seres humanos santos e sem pecados; esse sonho, que reaparece em
todos os séculos, não combina com o contexto lúcido do nosso texto, por mais
que corresponda à expressão de um desejo profundo do ser humano, que não o
abandonará até que um novo céu e uma nova terra lhe dêem realmente o que este
nosso mundo não é capaz de lhe proporcionar. […] Mas, voltemos ao ponto de
partida: a santidade da Igreja consiste naquele poder de santificação que Deus
exerce nela apesar da pecaminosidade humana. É esse o verdadeiro sinal da «nova
aliança» em Cristo, o próprio Deus prendeu-Se aos homens, deixou-Se prender por
eles. A Nova Aliança já não se baseia no cumprimento mútuo do acordo, porque
ela é graça concedida por Deus, a qual não recua diante da infidelidade do ser
humano. Ela é a expressão do amor ele Deus que não se deixa vencer pela
incapacidade do ser humano; pelo contrário, Deus quer bem ao ser humano apesar
de tudo e sem cessar; aceita-o precisamente como ser pecador, dirigindo-Se-lhe
para o santificar e amar.
Como
a liberalidade da entrega do Senhor nunca foi revogada, a Igreja continua a ser
sempre santificada por Ele e é nela que a santidade do Senhor se torna presente
entre os homens. É verdadeiramente a santidade do Senhor que se torna presente
e que escolhe como recetáculo da sua presença, num amor paradoxal, também e
precisamente as mãos sujas dos homens. Ela é santidade que resplandece como a
santidade de Cristo no meio do pecado da Igreja.[…]
Demos
mais um passo em frente. No sonho humano de um mundo perfeito, a santidade é
imaginada como isenção do pecado e do mal, e não como algo que se mistura com
eles; […] O que escandalizava os contemporâneos de Jesus em relação à sua
santidade era a ausência absoluta de uma atitude julgadora: Ele nem lançava um
raio sobre os indignos, nem autorizava os zelosos a arrancarem a erva daninha
que viam proliferar. Pelo contrário, a sua santidade manifestava-se
precisamente na promiscuidade com os pecadores que eram atraídos por Jesus;
essa mistura indiscriminada chegou ao ponto de Ele mesmo ser transformado
"em pecado», tendo de carregar, pela sua execução, a maldição da lei, que
o levou a associar inteiramente o seu destino ao dos perdidos (cf. 2Cor 5,21;
Gal 3,13). Ele atraiu a Si o pecado, fazendo com que este se tornasse parte
d'Ele, para assim revelar o que é a verdadeira "santidade»:
Não discriminação, mas união, não julgamento,
mas amor que salva. Não é a Igreja simplesmente a continuação dessa atitude de
Deus que se mistura com a miserabilidade humana? […]
Confesso
que, para mim, essa santidade imperfeita da Igreja é um consolo infinito. Não
deveríamos desesperar diante de uma santidade que fosse imaculada e que só
pudesse manifestar-se julgando-nos e queimando-nos? E quem poderá afirmar que
não precisa de ser apoiado e sustentado pelos outros? […]
A
Igreja não está em primeiro lugar nos órgãos que a organizam, reformam, governam,
e sim naqueles que simplesmente crêem e recebem nela o dom da fé que se torna a
sua vida.
Com
isto chegamos à outra palavra que o «Credo» usa para qualificar a Igreja:
«católica». São muitas as nuances de sentido que acompanham este termo desde a
sua origem. Mas existe nele uma ideia principal que pode ser comprovada desde o
início: trata-se de uma palavra que remete duplamente para a unidade da Igreja;
em primeiro lugar, ela indica a unidade local da Igreja: só a comunidade unida
ao bispo é «Igreja Católica»; os grupos que se separaram dessa Igreja local por
qualquer razão não são «católicos». Em segundo lugar, o termo refere-se à
unidade das muitas igrejas locais entre si; elas não podem fechar-se em si
mesmas, pois, para serem Igreja, precisam de estar abertas umas às outras,
formando a Igreja una no testemunho comum da palavra e na comunhão da mesa
eucarística que recebe a todos em qualquer lugar. […]. Os elementos
fundamentais da Igreja são o perdão, a conversão, a penitência, a comunhão
eucarística e, a partir dela, a pluralidade e a unidade: a pluralidade de
igrejas locais que só podem ser consideradas Igreja na medida em que se inserem
no organismo da Igreja una. O conteúdo da unidade é formado sobretudo pela
palavra e pelo sacramento: a Igreja é una pela palavra una e pelo pão uno. A
estrutura episcopal aparece no fundo como meio dessa unidade.
“Introdução ao Cristianismo”. Joseph Ratzinger.
Principia. 2005. Pg 248-253
HÉLDER GONÇALVES
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