terça-feira, 3 de abril de 2012

QUARTA-FEIRA SANTA

Hora das Trevas


«Senhor, tende compaixão!
Curai-me, já que pequei contra vós»


1. «Em verdade vos digo que um de vós há-de entregar-me» (Jo 13, 21; Mt 26, 21). Não era somente Pedro que desejava saber quem seria o traidor, pois os outros estavam também ansiosos por sabe-lo e «profundamente contristados, começou cada um a perguntar-lhe: Serei eu, Senhor?» (Mt 26,22). O próprio Judas se atreve a fazer a mesma pergunta. Jesus revelara-o ocultamente a João: «é aquele a quem eu der o bocado que vou molhar» (Jo 13, 26) e, à pergunta de todos, respondera indiretamente: «aquele que meteu comigo a mão no prato é que há-de entregar-me» (Mt 26, 23). Mas Judas, que, com cínico desembaraço se senta à mesa como amigo, enquanto maquina a traição e aceita, sem tremer, o acusador pedaço de pão untado, não consegue permanecer encoberto; ele mesmo provoca a denúncia: «serei eu, mestre?»; e Jesus respondeu-lhe: «é como disseste».

O mestre vê-se assim, obrigado a falar abertamente dizendo o que ate então tinha silenciado com grande delicadeza. Mesmo conhecendo as intenções de judas, jesus tinha-o escolhido e amado como aos outros e tinha-o advertido também; as palavras pronunciadas perto de um ano antes: «não fui Eu que vos escolhi a vós, os doze? E contudo um de vós é um demónio» (Jo 6, 70), tinham sido ditas por ele para o prevenir. Durante a Ceia, para o designar, o Senhor recorreu a um gesto de amizade – o pedaço de pão untado e oferecido – que pretendia ser um chamamento silencioso; e no jardim das oliveiras, fara uma última tentativa para o afastar do abismo, não rejeitando mas aceitando o beijo do traidor. Mas judas já esta possuído pelo maligno, a quem se entregou por trinta moedas de prata. E jesus vê-se na obrigação de declarar: «o filho do homem vai partir… mas ai daquele por quem o filho do homem vai ser entregue!» (Mt 26, 24). Palavras serias que manifestam a tremenda responsabilidade do traidor. Judas seguira o Mestre, não por amor, mas por egoísmo, com a intenção posta em interesses materiais: a cobiça fê-lo ladrão: começou roubando algumas moedas e depois atraiçoou, por algumas moedas Aquele que já não lhe interessava, porque não lhe inspirava confiança alguma em vantagens materiais. Assim se faziam verdadeiras as palavras do Salmo: «ate o meu íntimo amigo em quem confiava e que repartia do meu pão, levantou contra mim o calcanhar» (Si 41,10).

2. «É por causa de vós que tenho suportado afrontas, cobrindo-se meu rosto de confusão… o insulto despedaçou-me o coração e eu desfaleço. Esperei por compaixão e não apareceu, nem encontrei quem me consolasse» (Salmo 69, 8.21). Nos dias consagrados ao mistério da Paixão, as palavras do salmista ecoam como uma lamentação de Cristo, exposto à infâmia, caluniado e torturado, abandonado por todos, atraiçoado pelos amigos: «Esta é a vossa hora e o domínio das trevas» (Lc 22, 53), disse Jesus no momento da sua prisão. A hora em que a traição se faz entrega aos tribunais, condenação à morte, crucifixão. Mas é também a hora marcada pelo pai para a consumação do Seu sacrifício e, por conseguinte, a hora esperada por Cristo com desejo ardente: «tenho de receber um batismo (o batismo do sangue da sua paixão) e que angustias as minhas ate que ele se realize!» (Lc 12, 50); e também: «tenho ardentemente desejado comer convosco esta pascoa, antes de padecer»; era a antecipação da pascoa do seu sacrifício na ceia eucarística.

O sacrifício de Cristo previa um traidor nas escrituras. No entanto, estas não especificaram o género de traição. Mas anunciaram-na, com precisão, porque assim tinha que acontecer. Mas nem por isso se pode considerar isento de culpa o homem que, voluntariamente, se fez traidor. «Que poderá aduzir judas, a não ser o pecado? – afirma S. Agostinho -. A o entregar Cristo nas mãos dos judeus, ele não pensou certamente na nossa salvação, pela qual Cristo se deixou entregar ao poder dos inimigos. Judas pensou no dinheiro que poderia ganhar e encontrou nele a ruina da sua alma». O ato infame serviu nos planos de Deus para levar Cristo à paixão. «Judas entregou cristo e cristo entregou-se por si mesmo: judas para concretizar a sua horrível traição e cristo para realizar a nossa redenção» A paixão de Cristo, ate nesta concorrência de causas divinas e humanas é um mistério inefável; é preferível contemplá-lo na oração a considera-lo segundo a logica humana. Todos os homens recebem a sua advertência, pois em cada um se pode esconder um traidor. Mas o perdão concedido a pedro e ao bom ladrão ai esta para testemunhas que no coração destroçado de cristo, há um amor infinito, capaz de destruir qualquer pecado confessado e chorado.

Ó jesus, como foi excessiva a tua bondade para com o mau discípulo! Ainda que não me expliques a maldade do traidor impressiona-me infinitamente mais a tua dulcíssima mansidão. Ó cordeiro de Deus! Essa mansidão é-nos oferecida a nós como modelo Eis aqui, ó senhor, que o homem das confidências únicas, o homem que parecia tao unido a ti, teu conselheiro e teu íntimo, o homem que saboreou o teu pão, o homem que na santa ceia comeu contigo os doces manjares, esse homem descarregou contra ti o golpe da iniquidade. E, não obstante…, Tu, mansíssimo cordeiro…., não vacilaste em entregar o teu rosto aos lábios maliciosos, aos lábios que no momento da traição, te beijaram… nada lhe poupaste, nada lhe negaste para poder suavizar a pertinácia de um mal coração.

Ó Bom Jesus; quanto são os que te ofendem com golpes! Golpeia-te o teu pai, porque não te perdoou, mas entrego-te como vitima por todos nos. Golpeia-te tu mesmo, oferecendo a morte a tua vida que ninguém te pode tirar se tu não quiseres. Golpeia-te além disso, o discípulo que te atraiçoa com um beijo. Golpeia-te o judeu com pontapés e bofetadas; e golpeiam-te os gentios com açoites e cravos. Olha: quantas pessoas, quantas humilhações, quantos verdugos!

E quantos os que te entregam! O pai celeste entrego-te por todos nos; e tu entregas-te a ti mesmo, como alegremente cantava S. Paulo: amou-me ate se entregar por mim. Que troca tao maravilhosa! Entregou-se a si mesmo: o senhor pelo servo: o inocente pelo pecador.

Benigníssimo senhor! Como poderei agradecer-te o teres-me suportado, a mim que agi mil vez pior do que judas? Fizeste-lo teu discípulo; a mim, tua esposa e filha… ó meu jesus! Eu atraiçoei-te, não uma vez apenas, mas infinitas vezes… quem te crucificou? Eu. Quem te açoitou atado a coluna? Eu. Quem te coroou de espinhos? Eu. Quem te deu de beber fel e vinagre? Eu. Senhor, saber porque te digo todas estas coisas? Porque compreendi… com a tua luz que mais te afligiram os meus pecados mortais do que todos aqueles tormentos.

RICARDO IGREJA

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