«Salve, ó Rei, só tu tiveste compaixão dos nossos pecados»
1. O primeiro dos famosos cânticos do «Servo de Javé» (Is 42, 1-7), leva-nos a considerar a atitude de Cristo na Sua Paixão. Manso e Silencioso, «não vai bradar … nem fazer-se ouvir nas ruas», não protestará contra os insultos, as acusações, as condenações; manso nas relações com os seus inimigos «canas já fendidas» que ele não irá quebrar, «torcida que fumega» que ele não apagará, aos quais perdia e, até ao ultimo instante, procura iluminar e salvar. A mansidão de Cristo para com os pecadores de que Se compadece, e cujas culpas Se apresta para expiar, transforma-se em fortaleza ao cumprir a Sua missão, ao proclamar a verdade e a justiça até a marte: «não desanimará nem Se deixará vencer, até que estabeleça a justiça sobre a terra». Jesus trabalha pela vinda do Reino do Pai, pela afirmação dos direitos de Deus sobre os homens, pelo restabelecimento da justiça e da santidade entre os homens. Nesta tarefa não Se deixa vencer; a Sua morte será o ato supremo de fortaleza no cumprimento da obra que o Pai Lhe confiou. E, porque a fortaleza de Cristo é divina, não será vencida, nem sequer pela morte. Pelo contrário, Cristo vencerá a morte para dar aos homens a vida. Jesus é, na verdade, o Servo de Javé vaticinado por Isaías, chamado «com justiça» e «feito aliança dum povo, luz das nações». N´Ele todos os homens encontram misericórdia: «Salve, nosso Rei, só Tu tiveste compaixão dos nossos pecados». Cristo lutou contra o pecado, condenou-o; mas castigou-o somente em si mesmo, enquanto aos culpados concedeu perdão.
«O Senhor é a minha luz e salvação, a quem hei-de temer? O Senhor é o protetor da minha vida, de quem hei-de ter medo?» (Salmo 27,1). A liturgia reconhece, nestas palavras, a voz de Cristo que, durante a Paixão, confiadamente invoca o auxílio do Pai; ao mesmo tempo o cristão pode servir-se delas para manifestar ao Salvador o reconhecimento próprio e a sua inquebrantável confiança n´Ele. Em Cristo Crucificado o cristão encontra o remédio para os seus pecados, o refúgio nas dificuldades da vida e a força para levar a sua cruz.
2. Antes de penetrar a fundo no mistério da Paixão, a Liturgia apresenta um episódio delicado e suave. «Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde estava Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos» (Jo12, 1-11). O banquete na casa hospitaleira, oferecido pelos amigos fiéis, no principio da semana da morte do Senhor, tem o aspeto de um último adeus e de antecipação de tudo o que irá acontecer.
Particularmente, apreciamos isto no gesto carinhoso de Maria que, sem pensar sequer que poderia ser um esbanjamento, unge os pés de Jesus com «uma libra de perfume de nardo verdadeiro de alto preço». É a última homenagem dum coração fiel que parece querer compensar o Mestre pela traição que O espera e é, ao mesmo tempo, um presságio da Sua morte; em conformidade com os costumes hebreus, na verdade só eram ungidos os pés dos cadáveres. Por outro lado, na presença de Lázaro que Jesus tinha ressuscitado dos mostos, vemos também um presságio da ressurreição. Não podia permanecer vítima da morte Aquele que dera a vida a um morto de quatro dias e que tinha declarado: «eu sou a ressurreição e a vida» (Jo 11,25). Tão pouco falta este presságio no gesto de Maria se, tal como o afirmaram os Sinópticos, o perfume foi derramado também sobre a cabeça do Senhor (Mc 14,3); a unção da cabeça, reservada aos reis, significa o reconhecimento da realeza divina de Cristo que a ressurreição fará resplandecer com pleno fulgor.
Mas neste delicado episódio, não faltam as sombras negras da crítica malévola, prelúdio de traição: «Por que motivo não se vendeu este perfume por trezentos denários, que se teriam dados aos pobres?» A preocupação pelos pobres é um pretexto na boca de Judas que «era ladrão e porque andava com a bolsa e tirava o que nela se metia» (Jo 12, 5-6). É a atitude de tantos que se escandalizam diante de valores que se gastam simplesmente por amor de Deus. Aos seus olhos, a oração, a adoração e, muito mais ainda, as vidas gastas no amor e no louvor a Deus, são um esbanjamento inútil; o tempo, o dinheiro, a própria vida só são bem empregados quando ao serviço dos homens. Esquecem-se que, se o interesse pelos pobres é um inadiável que Cristo é o primeiro a proclamar, o amor e o culto a Deus são deveres muito mais importantes. Além disso, os pobres não têm apenas necessidade de pão, mas também de quem, na oração, ampare a sua fé e lhes recorde que vale muito pouco o bem-estar material se o homem não procura a Deus acima de todas as coisas.
Ó Jesus como manso Cordeiro, foste levado para a morte, como ovelha perante a tosquia, nem abriste a boca. Não te queixas conta o Pai por Quem foste enviado, nem contra os homens a quem pagas suas dívidas… e nem sequer contra esse povo que Te pertence e do qual, em troca de tão grandes benefícios, recebes males inauditos.
Se medito atentamente no Teu comportamento, descubro, não apenas a mansidão, mas também a humildade do teu coração… Vimos-te e não havia beleza aos olhos dos homens; converteste-te em opróbrio, como um leproso; o último dos homens, verdadeiramente varão das dores, ferido e humilhado por Deus… Ó Jesus, ínfimo e excelso, humilde e sublime, opróbrio dos homens e glória dos anjos! Ninguém mais sublime do que Tu, ninguém mais humilde…
É grande a tua misericórdia, ó senhor, mas grande também a miséria que enfrentas! Vencerão estas a misericórdia ou será a misericórdia a vencer as misérias? Tu gritas: «Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem». Ó senhor, como és prodígio no perdão, que profundo é o abismo da tua doçura! Como são diferentes os teus pensamentos dos nossos e como é imutável a tua misericórdia, mesmo para com os ímpios!... Ó caridade que tudo suporta e de tudo se compadece!
Meu Deus, nessa tarde… de amor e de dor, doce porque tu estar presente, e dolorosa porque esta tao próxima a tua morte… Maria derrama perfumes sobre os teus pés e sobre a tua cabeça… espalhando o perfume e rompendo o caso, ela coloca a teus pés e entrega-te todo o seu ser, corpo e alma, coração e inteligência; dá-te tudo o que é; derrama o perfume e rompe o vaso… Nada reserva para si, dá-se toda, tudo o que é e tudo o que tem… Ó Jesus, quero entregar-me a ti como aquela santa mulher se entregou totalmente, sem conservar nada de si nem para si… «eis-me qui; venho fazer a tua vontade». Ó Senhor; faz com que o meu dom seja completo, que me entregue totalmente a Ti, eu mesmo e tudo o que me pertence: o perfume e o vaso, a alma e o corpo, tudo!
RICARDO IGREJA
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