Apropriações e acções “ad extra” da Trindade
• Apropriações
Sabemos pelo catecismo que os principais mistérios da nossa fé são: a Santíssima Trindade, a Encarnação e a Redenção.
Estes três mistérios, o da Santíssima Trindade é o maior, o mais impenetrável, o mais adorável; e que os demais lhe são subordinados.
De facto, a Encarnação e a Redenção são actos temporais realizados no Homem-Deus, Jesus Cristo. Já o primeiro, ao contrário, tem por objecto os actos eternamente subsistentes da vida divina, ou seja, a geração do Filho e a processão do Espírito Santo.
Se a Encarnação e a Redenção ultrapassam a medida da nossa inteligência é porque elas se unem a uma das três Pessoas divinas, ao Filho de Deus: é isso que leva esses dois factos a uma ordem absolutamente divina, ultrapassando inteiramente a luz da razão. É por estarem na dependência do mistério da Santíssima Trindade que eles são também mistérios. Assim, só há um mistério, e todos os outros são prolongamentos desse dogma fundamental.
Segue daí que ele é o objecto principal da nossa fé e como o centro para onde ela é levada e para onde ela tende.
Sim, ela tende. Pois a fé traz com ela uma tendência a nos unir a Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Por essa razão nós dizemos: eu creio em Deus.
Jesus Cristo Nosso Senhor, na sua natureza humana e no mistério da Sua vida temporal é um laço destinado a nos unir à Santíssima Trindade, que é o nosso fim supremo e último.
Não devemos esquecer-nos que Jesus Cristo, como homem, é apenas um intermediário, um mediador, como diz São Paulo, entre a Santíssima Trindade e a alma humana. "Mediator Dei et hominum homo Christus Jesus".(I Timot. 2,5)
Ele cimentou no seu Sangue essa aliança indissolúvel; é só por Ele que se realiza essa união eterna; mas Ele não é, como homem, a finalidade superior que a fé nos revela, onde a esperança nos eleva e a caridade nos faz participar por antecipação. "Ninguém vem ao Pai senão por mim", diz-nos Ele (Jo 14,6). Só podemos ir ao Pai por Jesus Cristo; mas é para o Pai que devemos ir. O Pai é tomado aqui como toda a Trindade.
Em Deus a Trindade de Pessoas, são uma unidade indissolúvel da natureza divina.
Deus é essencialmente um e único. Ele não poderia, de modo algum, ser vários deuses, como há vários homens. Quem diz Deus, diz o poder, a sabedoria infinita, a bondade por essência. Se pudesse haver vários deuses, cada um deles seria limitado por algum lado, nenhum seria Deus. Logo só pode haver um Deus.
Dizendo que só há um Deus, entende-se que a natureza divina é essencialmente una, e que ela não se pode multiplicar entre várias pessoas diferentes umas das outras.
Em Deus, a natureza divina não se multiplica , ela não se pode multiplicar : e no entanto, sendo essencialmente una em si mesma, ela é comum a três Pessoas distintas. O Pai possui a natureza divina, o Filho a possui, o Espírito Santo a possui; e é a mesma e única natureza nos três. Assim, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três deuses, mas um só Deus. Se eles fossem três deuses, haveria três naturezas divinas; ora, não pode haver mais do que uma.
Essa natureza única não é dividida entre as três Pessoas, como se cada uma possuísse um terço; ela é inteira em cada, como a natureza humana é inteira em cada homem. O mistério consiste justamente nisso que a natureza divina é inteira em cada uma das três Pessoas sem ser por isso multiplicada ou triplicada.
A concepção da natureza divina pede que ela seja una e indivisível; é assim impossível que ela seja multiplicada.
O catecismo exprime essa verdade quando diz: O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; não são três deuses, mas um só Deus em três Pessoas.
Em Deus há três pessoas e uma única natureza. A distinção entre as pessoas não vem da natureza que é única para todas as três, mas do facto que a natureza divina mantém em cada pessoa Relações diferentes.
O Pai tem para com o Filho uma relação de Paternidade. O Filho tem com o Pai uma relação de Filiação. O Espírito Santo tem com o Pai e com o Filho uma relação de Processão. A natureza divina é Pai na Pessoa do Pai, mas não é Pai na Pessoa do Filho; essa mesma natureza é Filho na Pessoa do Filho, mas não é Filho na Pessoa do Pai; enfim, esta mesma natureza é Espírito Santo na terceira Pessoa, mas não é Espírito Santo nem no Pai nem no Filho. Logo o Pai não é a mesma pessoa que o Filho, o Filho não é a mesma pessoa que o Pai, o Espírito Santo não é a mesma pessoa que o Pai nem que o Filho.
Assim, as três pessoas divinas têm isso em comum, elas não são feitas nem criadas. E elas têm em próprio que o Pai não é de ninguém; que o Filho é do Pai unicamente, por geração; que o Espírito Santo é do Pai e do Filho por processão.
Um é o Pai, outro o Filho, outro o Espírito Santo, mas pela unidade de natureza, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só e mesmo Deus, visto que em Deus não pode haver nada além de Deus.
Sendo absolutamente iguais em todas as coisas, as Pessoas divinas possuem igualmente todos os atributos que convém à natureza divina: imensidade, imutabilidade, eternidade, poder, sabedoria, bondade.
Contudo, alguns atributos podem ser relacionados mais a uma do que às outras das Pessoas divinas.
O Pai, sendo o princípio das outras Pessoas e como a fonte de onde elas derivam tem por atributo o poder. Dizemos dele que é o Pai Todo poderoso. O poder convém à Paternidade.
O Filho, gerado pelo Pai como uma imagem onde se reproduz toda a essência divina, como uma luz esplêndida brotando da inteligência incriada, tem por atributo a Sabedoria. Ele é muitas vezes chamado de Sabedoria eterna. A Sabedoria é o mais belo fruto da inteligência.
O Espírito Santo, procedendo do Pai e do Filho como um suspiro do seu mútuo amor, como um elan do coração de Deus, tem por atributo a bondade e o amor.
Assim, de certo modo, distribui-se entre as Pessoas divinas os atributos de Deus, apesar de que, na realidade, eles pertençam integralmente a cada uma das três Pessoas.
No Evangelho de São João, Nosso Senhor repreende os seus Apóstolos: "Não credes que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?" (Jo.14,10).
Não podemos medir toda a profundidade destas palavras, mas sabemos que ela se realiza em Nosso Senhor tanto como homem quanto como Deus.
Em primeiro lugar, o Filho habita no Pai. São João o chama "o Filho unigénito que está no seio do Pai" (Jo.I,18).
Ele está no Pai porque a Sua natureza é idêntica à natureza do Pai; Ele está no Pai como no seu Princípio, onde ele nasce eternamente, de quem ele é o luminoso resplendor; ele está no Pai, enfim, como naquele com quem se relaciona e onde, poderíamos dizer, vem de novo mergulhar.
Por outro lado, o Pai habita no Filho; ele está no Filho pela comunhão da natureza, mas também como na sua própria imagem, como no objecto da sua complacência eterna, como naquele em quem ele manifesta, sem alteração nem diminuição, as suas infinitas perfeições: "Speculum sine macula majestatis illius" (Sab.7,26).
Existe, assim, uma recíproca habitação do Filho no Pai e do Pai no Filho, não somente por causa da natureza comum, mas ainda por causa das relações que os unem.
Igualmente, o Espírito Santo está no Pai e no Filho, pela natureza comum e como no seu Princípio; como no coração de onde ele procede sob forma de amor. Reciprocamente, o Pai e o Filho estão no Espírito Santo como no laço que os une, como num mútuo abraço.
Dessa habitação recíproca das Pessoas divinas resulta que elas são absolutamente inseparáveis e que onde uma estiver as outras aí estarão, como os elos de uma corrente carregam uns aos outros. Nosso Senhor lembra frequentemente esta verdade em São João: "Meu Pai está comigo e não me deixou só..., meu Pai não age separado de mim" (Jo.8,29).
• As Acções “ad extra” da Trindade
Quando falamos de operações divinas não designamos os actos internos de Deus nele mesmo, que dão origem à geração do Verbo e à processão do Espírito Santo. Designamos por operações os actos externos de Deus que têm por objecto as criaturas.
Os actos internos fundamentam a distinção de Pessoas.
As operações externas (ad extra) são obra indivisível das três Pessoas.
As três Pessoas divinas têm a mesma natureza; logo elas têm a mesma inteligência e vontade única. Como consequência, toda operação exterior é comum entre elas, como vindo de um princípio comum. Nosso Senhor diz em São João: "O Pai, que está em mim, este é que faz as minhas obras" (Jo.14,10).
De facto, quando Jesus Cristo age como Deus, Ele age pela Sua natureza divina, pela Sua inteligência divina, pela Sua vontade divina, tudo o que lhe é comum com o Pai e o Espírito Santo. Segue daí que essas duas Pessoas agem unidas com ele. Aliás, em Deus, natureza, inteligência, vontade, são uma única e mesma coisa, princípio de tudo o que existe.
No princípio Deus criou o céu e a terra. Esta criação é obra inseparável de toda a Santíssima Trindade. Na plenitude do tempo, Deus realizou a obra da Redenção do mundo pela Encarnação e morte de seu Filho único. Ora, tudo o que fez Nosso Senhor, como Deus, nessa grande obra, foi realizado por toda a Santíssima Trindade. E Deus também não cessa de santificar as almas; esta obra de santificação é tão grande que toda a Santíssima Trindade a realiza, como diz Nosso Senhor: "Se alguém me ama...nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada" (Jo.14,23).
Mas, como atribuímos a cada Pessoa uma qualidade determinada: poder, sabedoria, bondade, mesmo sabendo que estes atributos são comuns a todas as três, assim atribui-se a cada uma certas operações exteriores, mesmo sendo sempre obra de toda a Santíssima Trindade.
Quando o Credo diz: Creio em Deus Pai Todo poderoso, criador do céu e da terra, relaciona especialmente com o Pai a obra da criação. O que mais se manifesta na criação é o poder que tira algo do nada. Mas as outras pessoas não estão excluídas dessa obra. Assim como um trabalhador não executa uma obra sem conceber primeiro uma planta e sem ter a intenção de fazer a coisa direita, também o Pai, para criar o mundo, usou a sabedoria do Filho e a bondade do Espírito Santo (Sto Agostinho).
A Redenção é especialmente obra do Filho. O que brilha nela não é tanto o poder mas a sabedoria, esta sabedoria que soube conciliar tão admiravelmente a justiça e a misericórdia, buscando a imolação do inocente para a salvação do culpado, e mais, acalmando a Deus pelo sacrifício de Deus (Sto Agostinho, São Leão).
Assim o Filho chama a si esta obra e se Encarnou para realizá-la. O Pai trabalhou nela como autor da Encarnação; o Espírito Santo como autor dessa união maravilhosa de duas naturezas infinitamente distantes.
Enfim, a obra da santificação das almas é, atribuída ao Espírito Santo. É um Espírito de amor, e é o Amor, que santifica as almas. No céu, nesse céu dos céus que é a habitação da Santíssima Trindade, o Espírito Santo une o Pai e o Filho num laço indissolúvel; na terra, ou melhor, nesse céu que é a Igreja, ele une as almas em Jesus Cristo, para que Jesus Cristo as reúna a Deus. Foi para essa obra que Ele foi enviado sobre a Igreja nascente no dia de Pentecostes.
Esta doutrina mostra-nos que é justo e legítimo atribuir certas operações a certas Pessoas. Quando a Sagrada Escritura nos diz que tal Pessoa fez tal obra, não é uma simples maneira de falar. É verdade que esta Pessoa teve uma acção especial e que as outras Pessoas só participaram da obra por concomitância, ou seja, em virtude do laço que as torna inseparáveis.
A Sagrada Eucaristia apresenta-nos um fenómeno análogo: é bem verdade que o Corpo de Jesus está sob a espécie do pão de um modo muito especial; o Sangue de Nosso Senhor está presente na hóstia consagrada por concomitância, ou seja, por ser inseparável do corpo no estado actual de Ressurreição de Nosso Salvador.
Exame de "Mistério de Deus - Trindade"
de Hélder Gonçalves a 27.06.2006
Escola Superior de Teologia e Ciências Humanas de Viana do Castelo
Professor: Padre Jorge Alves Barbosa
Avaliação Final: 14 Valores
HÉLDER GONÇALVES
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