Quando
Jesus deixa de estar fisicamente entre os seus, o movimento ao encontro d’Ele
deixa de se traduzir numa
deslocação – um ir ao encontro e segui-l’O – como acontecia antes da
ressurreição. Aquele que acredita
n’Ele continua a fazer um caminho, mas este consiste em abandonar-se n'Ele, em
entregar-se e reservar
para Ele um lugar.
O paradoxo da fé torna-se assim mais evidente: a fé é
simultaneamente quase nada e o
que conta acima de tudo. Consiste em abrir-Lhe constantemente a porta do nosso
coração, mesmo sabendo que
Ele já está lá dentro. Haverá alguma coisa mais pobre, mais gratuita do que
isto: abrir a alguém que já
entrou?
Cristo não vive em mim como um estranho que quer desalojar-me. Ele está
presente como alguém que
me ama, que se pôs no meu lugar, que no Seu amor está no mais profundo de mim
mais do que eu próprio.
No entanto, sou eu que tenho de lhe abrir a porta constantemente, porque entre
Ele e eu é tudo pessoal,
nada se faz sem mim, de forma automática. Trata-se de uma relação viva.
São Paulo
exprime isto com grande delicadeza: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim. E a vida que
agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e a si mesmo se
entregou por mim»
(Gálatas 2,20).
Cristo está presente, pois tendo acreditado n’Ele nós
entregámo-nos a Ele: já não sou eu que
vivo, é Ele que vive em mim. Contudo, enquanto estamos nesta vida, só podemos
viver esta realidade na fé,
entregando-nos constantemente a Ele, abandonando-nos a Ele, abrindo-Lhe o nosso
coração.
É também
neste sentido que podemos compreender São João, quando descreve a fé como «o
poder vitorioso
que venceu o mundo» (1 João 5,4).
São João não quer sugerir que devamos levar a
nossa fé a um tal ponto
que o mundo deixe de ter poder sobre nós e de nos poder seduzir. Não.
São João
lembra-nos que tendo vindo
pela fé, deixámos Cristo entrar na nossa vida e que assim o mundo foi
desmascarado em nós com tudo
aquilo em que nos quer fazer acreditar. Passamos assim a ter a porta do nosso
coração aberta a Cristo, Ele
que «é mais poderoso do que aquele que está no mundo» (1 João 4,4).
A partir
desse momento podemos
dizer que é Ele a nossa fé.
São Paulo
usa, aliás, uma expressão curiosa: «a fé de Cristo» (Filipenses 3,9, por exemplo).
Não se trata, pois, apenas de
uma fé em Cristo, ou seja de um reconhecimento de quem é Cristo e de um
abandono, de uma
confiança
n’Ele. Há mais: a fé vem d’Ele, como um dom, esta fé é a fé de Cristo e eu
recebo-a como aquilo que me une
a Ele e me faz viver como Ele.
Mais uma vez a minha parte na fé parece ser
quase nada. E, no
entanto,
com a fé tudo me é dado. Esse «quase nada» determina a minha maneira de ser.
HÉLDER GONÇALVES
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