sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Eu creio, ajuda a minha pouca fé


O movimento para Jesus

Repetimos muitas vezes, e com razão, que no Novo Testamento acreditar não consiste em ter por verdadeiras nem em aceitar verdades difíceis de compreender. No Novo Testamento, a fé tão-pouco se apresenta como essa grande provação que caracterizou alguns meios judeus do tempo de Jesus quando as promessas de Deus tardavam em realizar-se.

Podemos dizer que, no Novo Testamento, a fé surge primeiro sob a forma de um movimento e que consiste numa caminhada, o de «ir a Jesus». Talvez devêssemos dizer que antes de ser um «movimento para», a fé é
essencialmente uma sede, um desejo: «se alguém tem sede, venha a Mim; e quem crê em mim, que sacie a sua sede» (João 7,37). Se, neste texto, São João põe em paralelo «ir a» e «crer em» (cf. 6,35), ao mesmo tempo ele sabe que este «ir a Jesus» depende, no fundo, de uma secreta atracção que o Pai já exerce sobre o coração (6,44).

Em primeiro lugar, a fé não diz respeito a certas verdades ou promessas para o futuro, nem mesmo a revelações sobre a existência de um Deus transcendente. Ela começa por um «ir ao» encontro da pessoa de Jesus e este «ir» nasce muitas vezes de uma sede. Em segredo, o coração já foi trabalhado. Já foi atraído.
Com a encarnação, com a presença de Jesus como ser humano, a fé reveste-se, em primeiro lugar, de uma forma extremamente simples: um desejo pode conter em si mesmo o início da fé; um movimento é já o princípio de um caminho.

Em várias passagens do Quarto Evangelho, podemos acompanhar percursos como este. O capítulo 9 conta a cura de um cego de nascença. No princípio, este só sabe que foi curado por aquele «homem que se chama Jesus» (v. 11).
Mais à frente afirma que «é um profeta» (v. 17). Perante a contestação, dá ainda mais um passo: só pode ser um homem de Deus, porque se não viesse de Deus, não teria podido fazer nada (v. 31 e 33). Por fim, quando reencontra Jesus e descobre n'Ele o Filho do Homem, prostra-se diante d’Ele e diz «eu
creio» (v. 35-38). Que caminho percorrido! A princípio apenas noções vagas, de seguida uma penetração no mistério e por fim um gesto de adoração. Ele, que não via nada, está de tal forma conquistado que o facto de ver já não é assim tão importante. Para ele a luz passou a ser interior e essa luz basta.

No capítulo 20 também se desenham várias caminhadas. Pedro e João correm para o túmulo. Encontram-no vazio, com as vestes muito bem arrumadas. Do discípulo amado, o Evangelho diz que «viu e acreditou» (v.8). Não se diz em que é que acreditou. Teria tido um pressentimento? 
A Maria de Magdala foi dado ver o Ressuscitado. Reconheceu-O quando Ele a chamou pelo seu nome (v. 16). Na tarde do mesmo dia, os apóstolos também puderam ver Jesus. Viram as marcas da Paixão. Mas foi soprando sobre eles, enchendo os da Sua própria vida que Jesus colocou a fé dentro deles (v. 20 e 22). 
Neste capítulo o caminho só se conclui com Tomé. Este não podia acreditar, mas, na presença de Jesus, ficou perturbado, certamente porque as marcas da Paixão estavam diante dos seus olhos, mas provavelmente também porque, e
principalmente por isso, se apercebeu de que Jesus leu o seu coração. Quando Tomé diz: «Meu Senhor e meu Deus!», a última palavra evoca de novo a adoração (v. 27-28).

Cada um pode reter para si um ou outro elemento destes percursos. O que é mais impressionante, parece-me, é que, por um lado, começam com muito pouco e, por outro, ao longo do caminho Cristo está muito mais presente do que aquele que procura poderia supor. Podemos dizer também de nós mesmos: pusemo-nos a caminho com quase nada e, à medida que íamos avançando, demo-nos conta de que Aquele a quem íamos já nos conhecia. Uma atracção da Sua parte ia à nossa frente. A fé não é da ordem do que se pode medir, porque não consiste apenas num «movimento para». Ela é já em si mesma presença d’Aquele a quem vamos.

HÉLDER GONÇALVES

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