A Igreja celebra a Festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.
Qual é o reino de Jesus Cristo?
Poderíamos imaginá-lo sob a forma de um reino terreno, onde os valores como riqueza e poder são os critérios de julgamento? Certamente que não.
Diante de Pôncio Pilatos, Jesus vai afirmar: o meu reino não é deste mundo (Jo 19, 36). A realeza de Cristo, que nasce da morte no Calvário e culmina no acontecimento dela inseparável, a ressurreição, recorda-nos aquela centralidade, que a ele compete por motivo daquilo que é e daquilo que fez. Verbo de Deus e Filho de Deus, primeiro que tudo e acima de tudo, “por Ele — como repetiremos no Credo — todas as coisas foram feitas”, Ele tem um intrínseco, essencial e inalienável primado na ordem da criação, a respeito da qual é a suprema causa exemplar.
Instalar um reino nesses moldes entre nós ainda é um desafio. É desafiador reconhecer Jesus Cristo naquele mais pobre, mais necessitado e que nos interpela por justiça. É desafiador pensar em um reino onde todos possam ser iguais, onde o que prevalece é o poder de serviço e não o poder autoritário que esmaga o outro.
Saberemos um dia viver assim?
Seremos capazes de assumir esta proposta em toda a sua radicalidade?
Seremos, nós, ativos construtores dessa nova ordem?
Este é o convite que a festa de Cristo Rei nos faz.
Que saibamos responder afirmativamente a ele. Que possamos reconhecer em Jesus Cristo o convite à implementação de um novo reino e que sejamos seguidores fiéis de um rei de amor e de bondade.
Com a festa de Cristo Rei, pomos à prova a nossa vocação especial, de ser leigo ou leiga no mundo de hoje que é um permanente desafio. Desafio de vida e testemunho: como estar no mundo, sem ser do mundo, como nos conclama São Paulo? Leigos e leigas ocupam importantes ministérios na vida da Igreja e assumem a sua vocação particular de constituir família – e aceitar com generosidade a vocação matrimonial que Deus lhes dá. Assumem a vocação de actuar profissionalmente com ética, dedicação e diferencial positivo no sentido de ser uma pessoa diferente no meio de tantas.
Assumem uma vocação missionária, dedicando-se, muitas vezes, solitariamente, ao outro mais necessitado. Devemos considerar a situação da vida dos leigos na família, célula fundamental da Igreja e da sociedade, em tempos difíceis de desagregação da ordem familiar, com a relativização do matrimónio que gera um casamento sem compromisso cristão.
Vivemos uma grave crise moral que hoje em dia se abate, de muitos modos, sobre a família em geral. Precisamente por isso, é necessária e urgente uma profunda revitalização da instituição familiar. É essa uma tarefa prioritária dos leigos na nova evangelização. É doloroso observar a extrema fragilidade de muitos casamentos, com a triste sequela de inúmeras separações, de que os filhos são sempre vítimas inocentes. É ainda lastimável ver o desrespeito à lei divina, que se espalha com a difusão de práticas anti-conceptivas gravemente ilícitas; ver o índice alarmante de esterilizações de mulheres e de homens, voluntárias ou induzidas, às vezes, pelos responsáveis da sociedade política ou por profissionais que deveriam zelar pela dignidade e integridade da pessoa e do corpo social; ver o incremento, também alarmante, da prática do aborto, desse atentado criminoso ao direito humano primeiro e fundamental, o direito à vida desde o instante da sua concepção, que jamais pode ter qualquer justificativa prática e, menos ainda, legal.
Não podemos descuidar-nos das outras graves causas de deterioração das famílias, como as decorrentes das condições de habitação, de alimentação e de saúde, de instrução e de higiene em que vivem milhões de pessoas no campo e nas periferias das cidades, com a lamentável consequência de um elevado número de menores abandonados e marginalizados. As consequências dos desvios levam-nos a situações injustas insustentáveis que conduzem a uma constante violência entre nós.
Pede-se às lideranças leigas a lançar um forte apelo à responsabilidade moral dos detentores do poder público, nos seus diferentes níveis, e de todos os homens de boa vontade, católicos ou não, para que criem, dentro das suas possibilidades de actuação, condições económicas e sociais que garantam a dignidade da vida humana e da família. Pode-se fazer muito e deve-se fazer muito para reverter essa situação. É muito séria a obrigação de cada fiel baptizado – os nossos irmãos e irmãs leigas – de promover corajosamente os valores cristãos do casamento e da família. “Começai pelos vossos próprios lares, a fim de serdes vós mesmos “luz do mundo” e sal que preserva da corrupção”.
Estamos em estado permanente de missão à sombra da procteção da Virgem Maria. Todos os leigos e leigas, homens e mulheres, estão vinculados aos ministérios que exercem, tais como “ministros da Palavra, animadores de assembleia e de pequenas comunidades”. A sua abnegação e dedicada entrega como missionários são louvados, especialmente na participação da missão “ad gentes”. Devo sublinhar, que o lugar do cristão leigo é no mundo, renovando as estruturas temporais. “Os leigos, conscientes do seu chamamento à santidade em virtude da sua vocação baptismal, são os que têm de actuar à maneira de fermento na massa para construir uma cidade temporal que esteja de acordo com o projecto de Deus.”
É assim que vão surgindo e ocupando espaço os leigos que dedicam a sua vida ao estudo, ensino e pesquisa da teologia; os leigos e leigas orientadores espirituais, que acompanham outros no itinerário do encontro em profundidade com o Deus de Jesus Cristo; os leigos e leigas que lideram comunidades cristãs, organizam a liturgia e a celebração. Ou seja, cristãos leigos que exercem uma acção transformadora sobre o mundo, actuando desde dentro da Igreja.
Os baptizados devem trabalhar no mundo, nas estruturas temporais, ouvindo a voz dos sacerdotes da Igreja.
Enfim, leigos e leigas assumem o grande desafio de serem pedras vivas da Igreja, trabalhadores do Reino que Cristo Rei vem implementar.
HÉLDER GONÇALVES
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