Entre as acusações mais antigas
dirigidas por Judeus e pagãos contra jesus, conta-se a de Ele ter sido um mago.
No século II, Orígenes refuta as imputações de magia que Celso atribui ao
Mestre de Nazaré (contra Celso 1,38), às quais também aludem São Justino,
Arnóbio e Lactâncio. De igual modo, algumas tradições judaicas, que podem
remontar ao seculo II, contêm acusações de feitiçaria contra Jesus. Numa delas
diz-se o seguinte: «Na véspera da Páscoa, Yeshu (Jesus) foi crucificado. Durante quarenta dias, antes que tivesse
lugar a execução, um arauto percorria as ruas, gritando: “Este vai ser
apedrejado por ter praticado bruxaria, seduzindo e enganando Israel”» (Talmude da Babilónia, Sanhedrin, 43 a).
Neste texto, e nos outros casos acima indicados, reconhece-se que Jesus fez
milagres, embora não se admita que estes tiveram uma origem divina, sendo por
isso atribuídos à magia. É a mesma acusação que aparece no Novo Testamento.
Para alguns, jesus fazia milagres em nome de Belzebu (Mc 3,22 e paralelos).
Por outro lado, se compararmos os
milagres de Jesus com os prodígios realizados por outros personagens da época
(Hanina bem Dossa, Honi, o traçador de círculos, Eleazar, o exorcista, Apolónio
de Tiana) concluiremos que se verificam entre eles diferenças notáveis. Jesus
distingue-se dos outros pelo número, muito maior, de milagres que realizou e
pelo sentido que lhes deu, completamente diferente do dos prodígios realizados
por alguns daqueles personagens.
O número de milagres atribuídos a
outros taumaturgos é muito reduzido, ao passo que o Novo Testamento dá notícia
de numerosos milagres feitos por jesus.
Nos Evangelhos encontram-se vinte e
sete relatos de milagres. Além disso, há referência a muitos outros milagres
que Jesus realizou e que não são explicitamente mencionados. Numa passagem de
São Mateus, por exemplo, Jesus refere milagres realizados em Corazim e
Betsaida, que não são recolhidos pelos Evangelistas: «Ai de ti Corazim! Ai de
ti Betsaida! Porque se os milagres realizados entre vós tivessem sido feitos em
Tiro e em Sídon, de há muito se teriam convertido, vestindo-se de saco e com
cinza» (Mt 11,21; Lc 10,13). São João também diz, no final do seu Evangelho,
que «muitos outros sinais miraculosos realizou ainda Jesus, na presença dos
seus discípulos, que não estão escritos neste livro» (Jo 20,30). Por isso, São
Pedro poderá referir-se a Jesus no dia de Pentecostes como «homem acreditado
por Deus junto de vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus realizou no
meio de vós por seu intermédio» (Act 2,22-23). Ver também (Mc 1,32-34 e
paralelos; 3,7-12 e paralelos; 6,53-56).
O sentido que Jesus deu aos seus
milagres também é diferente do de qualquer outro taumaturgo: Jesus faz milagres
que implicam, para os respectivos beneficiados, um reconhecimento da bondade de
Deus e uma mudança de vida. A sua resistência em fazê-los mostra que não
procura a sua própria exaltação ou glória. Daí que tenham um significado
próprio. Os milagres de Jesus são entendidos no contexto do reino: «Se é pelo
Espírito de Deus que Eu expulso os demónios, então chegou até vós o Reino de
Deus» (Mt 12,28). Jesus inaugura o Reino de Deus e os milagres são uma chamada
a uma resposta de fé. Isto é fundamental, sendo um sinal distintivo de todos os
milagres que Ele realizou. Reino e milagres são inseparáveis.
Portanto,
Jesus fez milagres para confirmar que o Reino estava presente nele, para
anunciar a derrota definitiva de Satanás e para aumentar a fé na sua pessoa. Os
seus milagres não podem explicar-se como acções assombrosas mas como actuações
do próprio Deus, com um significado mais profundo que um simples facto
prodigioso. Os milagres, como disse São João, são sinais de outras realidades
espirituais: as curas do corpo – libertação da escravidão da doença –
significam a cura da alma da escravidão do pecado; o poder de expulsar os
demónios indica a vitória de Cristo sobre o mal; a multiplicação dos pães alude
ao dom da Eucaristia; a tempestade acalmada é um convite a confiar em Cristo
nos momentos difíceis; a ressurreição de Lázaro anuncia que Cristo é a própria
ressurreição, figura da ressurreição final, etc.
Assim, pois, do conjunto de
afirmações do Novo Testamento e de outros testemunhos extra-biblicos, entre os
dados da vida de Jesus considerados comprovados conta-se, hoje em dia, o facto
de Ele ter realizado milagres aceites como demonstrados sobre a sua vida e de
estes estarem associados à proclamação do Reino de Deus.
HÉLDER GONÇALVES
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