O
movimento para Jesus
Repetimos
muitas vezes, e com razão, que no Novo Testamento acreditar não consiste em ter
por verdadeiras nem em aceitar verdades difíceis de compreender. No Novo
Testamento, a fé tão-pouco se apresenta como essa grande provação que
caracterizou alguns meios judeus do tempo de Jesus quando as promessas de Deus
tardavam em realizar-se.
Podemos
dizer que, no Novo Testamento, a fé surge primeiro sob a forma de um movimento
e que consiste numa caminhada, o de «ir a Jesus». Talvez devêssemos dizer que
antes de ser um «movimento para», a fé é
essencialmente
uma sede, um desejo: «se alguém tem sede, venha a Mim; e quem crê em mim, que
sacie a sua sede»
(João 7,37). Se, neste texto, São João põe em paralelo «ir a» e «crer em» (cf.
6,35), ao mesmo tempo ele
sabe que este «ir a Jesus» depende, no fundo, de uma secreta atracção que o Pai
já exerce sobre o coração
(6,44).
Em primeiro
lugar, a fé não diz respeito a certas verdades ou promessas para o futuro, nem
mesmo a revelações
sobre a existência de um Deus transcendente. Ela começa por um «ir ao» encontro
da pessoa de Jesus e
este «ir» nasce muitas vezes de uma sede. Em segredo, o coração já foi trabalhado. Já foi atraído.
Com a
encarnação, com a presença de Jesus como ser humano, a fé reveste-se, em
primeiro lugar, de uma forma
extremamente simples: um desejo pode conter em si mesmo o início da fé; um
movimento é já o princípio
de um caminho.
Em várias
passagens do Quarto Evangelho, podemos acompanhar percursos como este. O
capítulo 9 conta a cura de um
cego de nascença. No princípio, este só sabe que foi curado por aquele «homem
que se chama Jesus» (v.
11).
Mais à frente afirma que «é um profeta» (v. 17). Perante a contestação, dá
ainda mais um passo: só
pode ser um homem de Deus, porque se não viesse de Deus, não teria podido fazer
nada (v. 31 e 33). Por
fim, quando reencontra Jesus e descobre n'Ele o Filho do Homem, prostra-se
diante d’Ele e diz «eu
creio» (v.
35-38). Que caminho percorrido! A princípio apenas noções vagas, de seguida uma
penetração no mistério e
por fim um gesto de adoração. Ele, que não via nada, está de tal forma
conquistado que o facto de ver já não
é assim tão importante. Para ele a luz passou a ser interior e essa luz basta.
No capítulo
20 também se desenham várias caminhadas. Pedro e João correm para o túmulo.
Encontram-no vazio, com
as vestes muito bem arrumadas. Do discípulo amado, o Evangelho diz que «viu e
acreditou» (v.8). Não se
diz em que é que acreditou. Teria tido um pressentimento?
A Maria de Magdala
foi dado ver o Ressuscitado.
Reconheceu-O quando Ele a chamou pelo seu nome (v. 16). Na tarde do mesmo dia,
os apóstolos
também puderam ver Jesus. Viram as marcas da Paixão. Mas foi soprando sobre
eles, enchendo os da Sua
própria vida que Jesus colocou a fé dentro deles (v. 20 e 22).
Neste capítulo o
caminho só se conclui com
Tomé. Este não podia acreditar, mas, na presença de Jesus, ficou perturbado,
certamente porque as
marcas da Paixão estavam diante dos seus olhos, mas provavelmente também
porque, e
principalmente
por isso, se apercebeu de que Jesus leu o seu coração. Quando Tomé diz: «Meu
Senhor e meu Deus!»,
a última palavra evoca de novo a adoração (v. 27-28).
Cada um
pode reter para si um ou outro elemento destes percursos. O que é mais
impressionante, parece-me, é que, por
um lado, começam com muito pouco e, por outro, ao longo do caminho Cristo está
muito mais
presente do que aquele que procura poderia supor. Podemos dizer também de nós mesmos: pusemo-nos a caminho
com quase nada e, à medida que íamos avançando, demo-nos conta de que Aquele a
quem íamos já
nos conhecia. Uma atracção da Sua parte ia à nossa frente. A fé não é da ordem
do que se pode medir,
porque não consiste apenas num «movimento para». Ela é já em si mesma presença
d’Aquele a quem vamos.
HÉLDER GONÇALVES
Sem comentários:
Enviar um comentário