“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas que te são enviados?” (Lc 13, 84)
Numa única semana tinha acontecido de tudo em Jerusalém. Jesus foi acolhido de maneira triunfal, aclamado como o rei; deu aos seus discípulos o mandamento do amor; durante a Ceia Pascal revelou o valor do serviço com o lava-pés, assegurando a Sua presença real partindo o pão e dando o vinho; foi preso, processado, condenado (injustamente) á morte; suportou traições (Judas) e negações (Pedro), foi crucificado, sepultado… tudo parecia ter acabado…
“Basta, voltamos a Emaús”, disseram dois dos discípulos de Jesus. Que sentido teria ainda ficar em Jerusalém, como discípulos de um mestre morto e sepultado?
A caminho de Emaús: o (desiludido) regresso a casa de dois discípulos
“ Nesse mesmo dia, dois dos discípulos íam a caminho” (Lc 24,13).
Mas a que “dia” se refere Lucas?
Era o “primeiro dia da semana” : (o primeiro dia depois do sábado, que nós hoje cristãos chamamos domingo) ou “terceiro dia” (v.7), o dia da ressurreição de Cristo?
No entanto, estes dois discípulos ainda não tinham feito a experiência da presença do Ressuscitado: “continuavam a conversar ente si sobre tudo o que acontecera”(v.14).
O próprio Jesus pôs-se com eles a caminho
Dominados pela tristeza, os dois discípulos, encontram a companhia de um forasteiro muito especial: o próprio Jesus. Mas eles não conseguem entender verdadeiramente quem Ele seja “porque os seus olhos estavam impedidos de O reconhecer” (v.16).
Para eles tratava-se de um simples forasteiro.
Jesus toma a iniciativa deste encontro. Dirige a palavra, suscita o diálogo. A resposta dos discípulos é muito marcada pela desilusão e pela tristeza. Mas Jesus vai”repetir-lhes” coisas que eles já sabiam para os ajudar a descobrir a novidade.
E assim a estrada da fuga torna-se o caminho do reencontro.
“Explicou-lhes em todas as Escrituras, tudo o que Lhe dizia respeito” (v.27)
Os discípulos tomaram a decisão sensata.
Mas o forasteiro não é muito sensato.
E relê os acontecimentos de uma forma inovadora: “Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?” (v.26).
O próprio Cristo “ começando por Moisés e seguindo por todos os profetas”, demonstrou como “todas as Escrituras” conduzem ao mistério da Sua pessoa.
As suas palavras fazem “arder” os corações dos discípulos, tiram-nos da escuridão da tristeza e do desânimo, suscitam neles o desejo de permanecer com Ele. Por isso, chegando à aldeia, eles “insistem” com Jesus: “ fica connosco, Senhor” (v.29).
Entrou para ficar com eles
Não foi preciso convida-lo segunda vez. Jesus esperava esta ocasião para completar o seu trabalho de “reabilitação” destes discípulos. Para superar a crise de fé e o desânimo faltava que O reconhecessem.
Aqui, Jesus assume o lugar central da narração (v.30-32) e a liderança da refeição. Os discípulos (na sua própria casa) transformam-se em convidados.
Jesus “ tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho” (v.30). O forasteiro repete diante dos dois discípulos de Emaús os gesto que Jesus tinha realizado durante a multiplicação dos pães e durante a Última Ceia. E é este detalhe que desperta nos discípulos o mecanismo de reconhecimento.
“Mas Ele desapareceu da sua presença”(v.31)
É interessante! Diante do desaparecimento de Jesus não ficam “deprimidos”. Pelo contrário, fazem memória do caminho percorrido com Jesus: “Não nos ardia o coração quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (v.32).
De facto, eles já não se sentem abandonados a si mesmos. Ao pedido dos discípulos de Emaús para que ficasse “ com” eles, Jesus responde com um dom muito maior: através do sacramento da Eucaristia encontrou o modo de permanecer “dentro” deles.
A Eucaristia é o lugar onde se encontra o Ressuscitado. A receber a Eucaristia é entrar em comunhão profunda com Jesus.
“Voltaram imediatamente para Jerusalém” (v.33)
Os dois discípulos, depois de reconhecerem o Senhor, “partiram imediatamente” para comunicar o que tinham visto e ouvido. O caminho de regresso feito já com a consciência da ressurreição, foi marcado pela alegria.
Em Jerusalém encontra os Onze e os outros companheiros que confirmam a experiência feita por eles no caminho de Emaús: “realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” (v.34). A experiência dos dois discípulos (v.35) insere-se na experiência da comunidade que permaneceu unida (apesar das dificuldades) soube a guia de Pedro em Jerusalém.
De Emaús para Jerusalém… da Eucaristia para o Mundo!!
Com este episódio, Lucas identifica alguns dos lugares mais importantes da existência cristã. Lugares que são referência para todos os cristãos: a importância da Palavra de Deus no caminho da fé, a necessidade de reconhecer o Cristo ressuscitado no gesto do partir o pão e o anúncio do ressuscitado a realizar no mundo inteiro a partir da própria comunidade.
“Quando se faz uma verdadeira experiência do Ressuscitado, alimentando-se do Seu Corpo e do Seu Sangue, não se pode reservar para si mesmo a alegria sentida. O encontro com Cristo suscita na igreja e em cada cristão a urgência de testemunhar e evangelizar” (Mone no biscum Domine, 24).
E hoje “testemunhar e evangelizar” passa antes de mais pela humildade de fazer-se, como Jesus, companheiros do caminho dos nossos destinatários, dispostos a escutar os seus “desencantos” e ajuda-los a reconhecer a presença do Ressuscitado nas suas vidas.
HÉLDER GONÇALVES
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