sexta-feira, 20 de julho de 2012

CRISTOLOGIA

HISTÓRIA E DESTINO DE JESUS CRISTO


- O Jesus Histórico


INTRODUÇÃO:

Neste trabalho será abordada de forma sucinta o tema da História e Destino de Jesus Cristo – O Jesus Histórico. Não se pode dissociar o chamado Cristo da Fé do Jesus histórico, pois caso contrário, Jesus não passaria de um mito,«Não se pode (…) falar de um “Jesus da história” que seria diferente do «Cristo da Fé», (João Paulo II, Missão de Cristo Redentor, Carta Encíclica Redemptoris Missio, Editorial A. O, Braga, 1991» devendo ser visto à luz do Mistério Pascal: Paixão, Morte e Ressurreição. Estas duas realidades devem estar unidas na sua designação completa: JESUS CRISTO. Contudo, não nos debruçaremos sobre o tema da Ressurreição, que é da “área” do Cristo da Fé. Esta é a perspectiva encetada neste trabalho.

O tema de pregação de Jesus foi o Reino de Deus (Capítulo Um, A Mensagem de Jesus), reino de Paz e de Justiça; mas, para que as pessoas acreditassem no que dizia, deu a conhecer a sua condição de Filho de Deus, através de milagres, que eram sinais reveladores da presença de Deus (Capítulo Dois, Os Milagres de Jesus); através de diversos indícios, podemos chegar à conclusão que Jesus era o Filho de Deus, quer através da Cristologia Implícita, quer através da Cristologia Explícita (Capítulo Três, A Pretensão de Jesus); Jesus sabia que era o Messias e que tinha uma Missão a cumprir; para isso, foi necessário que sofresse e desse a Sua vida na Cruz: o Messias, tão esperado, acaba por morrer de uma morte infame (Capítulo Quarto, A Morte de Jesus – O Messias Crucificado).

No entanto, esta Morte não significou o fim, mas sim um passo no Mistério Pascal: «Jesus foi crucificado e morreu como um fracasso por motivos que não podemos reconstruir. Depois, sim que soubermos como nasceu a fé na ressurreição, direi, se creio que vivia(…) RATZINGER, introdução ao cristianismo 1979», à luz da Ressurreição, o Jesus histórico passa a Cristo da Fé, pois tudo o que tinha pregado torna-se agora compreensível.


1. A MENSAGEM DE JESUS

Qual foi o teor da mensagem de Jesus?

A Sua mensagem centra-se no Reino de Deus, que Ele vem anunciar.

Este anúncio do Reino era dito de uma forma estratégica, pois Jesus Cristo usou da pedagogia, visto que o Povo vivia na expectativa Messiânica.

Em nenhum momento Jesus falou de Si, pois não ouviram nenhuma definição de Sua identidade por Si próprio; ao invés, Ele procura saber o que as multidões dizem acerca de Si.

Ele próprio é o Reino de Deus, assim como a Sua Mensagem.

Em Jesus Cristo, Deus tem uma Palavra salvífica, envolvendo todo aquele que O escuta, ficando a pessoa “obrigada” a tomar uma decisão.


Quais as características da Sua Palavra?

a) A Palavra de Jesus Cristo é incisiva, cortante, pois tem Palavras de Vida Eterna, sendo a Palavra de Jesus comparável a um instrumento cirúrgico; é uma palavra que agita e desinstala, que leva o homem a ter de tomar uma opção fundamental , pois Jesus constantemente apelava à conversão: «Completou-se o tempo e o reino de Deus está perto: Arrependei-vos, e acreditai na Boa Nova» (Mc 1,15);

b) A Sua Palavra é questionadora, pois fala através de parábolas e recorre também muitas vezes a perguntas como resposta a outra pergunta comprometedora . Por que é que Ele fala assim? Para provocar uma resposta que exige um retorno imediato, utilizando a pedagogia do Antigo Testamento. Ele faz a palavra “nascer”;

c) A Sua Palavra é libertadora, pois liberta do Pecado; por exemplo, quando cura o coxo, este passa a poder andar fisicamente, mas também tem um significado teológico: o de poder começar uma caminhada na Fé, livre de amarras, ou seja dos seus pecados, que lhe foram perdoados;


Em concreto, a sua mensagem é a de que está próximo o Reino do Céu, ou Reino de Deus . Este era a tónica da Sua pregação, especialmente na Sua primeira pregação.


Mas, o que é o Reino de Deus?

a) O Reino não é um território: os Judeus aperceberam-se disto e não gostaram. Na Sua Transfiguração do Monte Tabor, Jesus Cristo disse aos discípulos: não digais nada a ninguém. Isto para não criar falsas expectativas em volta de Sua Pessoa (para não pensarem que Ele era Rei na acepção comum da palavra) e para não levar a consequências irreparáveis: não podia encurtar o processo e ser condenado mais cedo do que o tempo previsto ;

b) O Reino não é uma imposição, é uma proposta, pois exige participação e aceitação, através do acolhimento aos pecadores e atenção aos pobres e marginalizados;

c) O Reino excede o histórico: é o Já (está entre nós) e o ainda não (mas não definitivamente realizado, pois falta alguma coisa) . Não é uma realidade histórica no sentido do termo, nem tampouco uma realidade extra-histórica, pois começa já aqui, mas o seu final e plenitude se verificam ao longo da história. A existência histórica prepara a chegada do Reino: é o Advento. Segundo Jesus, «O reino de Deus não vem de maneira ostensiva. Ninguém poderá afirmar: Ei-lo aqui ou ali, pois o reino de Deus está dentro de vós» (Lc 17, 20-21). A própria vida de Jesus é um já, mas ainda não, pois com a Ressurreição dá-se a Revelação definitiva do Reino de Deus, mas a Igreja é um instrumento ao serviço do Reino (não é o Reino de Deus em si);

Jesus, sendo o Filho de Deus feito homem, é mensageiro (anunciador, pregador...) da vinda de Deus à história, como acolhimento incondicional do homem. Jesus é Aquele que se anunciou Deus-connosco e foi Deus connosco (que curou, deu a Graça...). Jesus questiona os Seus discípulos: «Quem dizem as multidões que Eu sou? (...) Pedro tomou a palavra e respondeu: O Messias de Deus» (Lc 9, 20). Este Mistério do Messias só se pode fazer à luz do Mistério Pascal.

O Reino é uma metáfora, pois não é materializável, nem se define como os reinos humanos; aponta para algo que transcende, que se concretiza aqui e agora; expressa Deus activo, em acção, que age na história e dá a vida pela história, concretizado na figura de Jesus Cristo, Seu Filho. Jesus situa a Mensagem na linha das promessas do Antigo Testamento que se concretiza na Sua vida, pois a Sua pessoa é o Reino de Deus.


2. OS MILAGRES DE JESUS

Antes de mais, coloca-se a questão: o que é um milagre?

É nossa noção comum que um milagre é algo que não tem explicação natural, que vai contra as leis da natureza, sendo cientificamente inexplicável. Não é propriamente essa a noção de milagre. «A palavra milagre provém de ”miraculum”, isto é, algo de admirável (...). Milagre é aquele facto, acontecimento ou realidade, admiráveis, em que o homem percebe a presença de Deus que aí se revela», (MESTERS, Carlos, Curso Bíblico, Edições Paulistas, Sacavém, 1982).

Na Bíblia, um milagre pode ser a coisa mais natural ou ao invés uma coisa extraordinária. Simplesmente, um milagre é um sinal da presença de Deus na vida. Um milagre nada diz a quem não tem fé, pois não encontra a presença actuante de Deus. «É difícil fazer um juízo sobre os milagres, que hoje acontecem em toda a parte». Cfr. MESTERS, Ibidem, nota anterior.

Milagre é algo que não obedece ao Princípio do Determinismo, isto é, as mesmas causas, em circunstâncias semelhantes, podem não produzir os mesmos efeitos. Contudo, isto sem violentar as Leis da Natureza, mas podendo sair das mesmas, constatando que realmente Deus está, servindo-se da Natureza, para dizer “Eu Sou, Eu Estou”. Assim, um milagre é algo em que Deus, através do natural pode manifestar o sobrenatural.

Pela leitura dos Evangelhos, pode dividir-se a actividade de Jesus em duas vertentes: o fazer (ou seja, os Milagres) e o ensinar (dizer); os milagres são a confirmação ou o atestar das Suas palavras, ou seja, há um anúncio do Reino e concretização do Reino através dos milagres. Por exemplo, a expressão «Em verdade, em verdade vos digo», credibiliza as acções de Jesus. Os milagres são os Sinais de que João nos fala, sendo algo que remete sempre para aquilo que Jesus diz.


Mas, existiram realmente os milagres de Jesus?

Nem todos os milagres do Evangelho foram históricos, pois são narrações posteriores da Igreja primitiva, com a pedagogia de despertar a Fé e provocar o seguimento; talvez Jesus não tivesse feito mais do que dois ou três milagres (não se sabe ao certo); de facto, nem todos os milagres são narrados por todos os evangelistas, nem são narrados de forma semelhante, havendo divergências, o que levará a pensar que nem todos existiram. Houve milagres, mas não é fácil identificar quais foram. Cada evangelista põe uma tónica diferente nos milagres: Sobre a diversidade desta tónica : «Todos tinham um fim comum, despertar a fé em Cristo como Filho de Deus enviado a nós, e dar a conhecer a sua mensagem. Isto faz com que suprimam muitos factos que julgam não ter importância para o fim que pretendem. Mas, ainda dentro deste fim geral, cada um deles quis fazer ressaltar uma ou várias facetas especiais da sua pessoa e da sua mensagem, escolheu uma ordem e um método diferente para o fazer», (PEDRAZ, J. Lopez, O Cristianismo não convence? Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1973). para Marcos será o de mostrar o poder que O acredita como Filho de Deus; para Mateus será acentuar o poder Magistral dos milagres; para Lucas, salientar a ternura e a compaixão de Jesus (através das curas); e João põe a tónica na revelação da Glória de Jesus, com os seus Sinais. Assim, os relatos dos milagres não são Actas notariais, mas sim sumários relatados pela Igreja, que faziam memória de Jesus Cristo.

Jesus não faz milagres só para os fazer, pois caso assim fosse, teria feito milagres quando Herodes o pediu (Lc. 23, 8), quando o demónio O tentou no deserto (Lc 4,3-12), quando pedem que desça da Cruz e Se salve a Si próprio (Mt, 27,42). Jesus não é um curandeiro, que faz coisas surpreendentes, mas a finalidade é a de proclamar que onde Deus está, o homem salva-se: Deus está aí e para salvar. Os milagres de Jesus Cristo não são um fim, mas sim um meio de revelar a mensagem do Pai, por meio do Seu Filho. De facto, a razão de ser do milagre é suscitar a Fé naquele que contempla o mesmo, de uma forma pedagógica e catequética, «Podemos dizer que ele é um sinal “complexo”, polivalente, para suscitar, confirmar e fortalecer a fé», (PINTO, António Vaz, S.I., Revelação e Fé, Editorial A.O., Vol. I, Braga, 1989). pois esses milagres são sinais reveladores da Identidade de Jesus. A finalidade dos milagres é, então, a conversão e a mudança em vista da instauração do Reino de Deus na vida dos indivíduos e da sociedade. Jesus curou até leprosos, considerados amaldiçoados por Deus, em virtude do seu pecado, para dizer que eles também eram parte da sociedade, eram parte do Povo de Deus. Por exemplo, com o milagre do coxo, não só o pôs a andar, mas também pretendeu dizer que agora já O podia seguir, tendo assim o milagre uma função catequética.

Todos os milagres são apenas antecipação do grande e definitivo milagre da Ressurreição, em que ficou manifesto quem era Jesus e qual o futuro que Ele quer realizar, sendo Ele próprio o Milagre.

Há diversos tipos de milagres, segundo o sujeito que os realiza:

a) Milagres que Deus faz directamente em Jesus: são a concepção virginal, a transfiguração e a Ressurreição;

b) Milagres que Deus faz através de Jesus: as curas, exorcismos, ressurreições de mortos e de superação dos elementos (ou seja, milagres da natureza); «Podemos considerar que se encontram nesta alínea: a transformação da água em vinho, a multiplicação dos pães e dos peixes, a pesca milagrosa, Jesus a caminhar sobre as águas, a tempestade acalmada, a maldição da figueira e talvez algum outro episódio», (CALVO, A.; RUIZ, A. – Para conhecer a Cristologia, Editorial Perpétuo Socorro, 1992).

c) Milagres que fazem os apóstolos e a Igreja (por exemplo, a Eucaristia).

Há nestes tipos de milagres uma progressão, em que Deus age directamente na história, em que Deus opera milagres em Jesus Cristo e em que a Igreja também faz milagres.


3. A PRETENÇÃO DE JESUS

Será que Jesus tinha a clara consciência de quem era, isto é, de ser o Filho de Deus? A resposta a esta pergunta sobre a Sua Identidade é essencial para elaborar a Cristologia. Há duas hipóteses:

I) Cristologia implícita, a Igreja tinha consciência de quem era Jesus;

II) Cristologia explícita: Jesus sabia quem era.


I) CRISTOLOGIA IMPLÍCITA

Existir para qualquer ser humano implica pensar, uma certa auto-compreensão, pois sem esta não é possível uma vida humana plena. A consciência de Jesus de ser quem é obedece aos critérios do desenvolvimento do ser humano. É lógico que a Sua natureza divina existia desde o início, embora a consciência da mesma pudesse não existir.

Jesus nunca afirmou nada sobre Sua Pessoa, pois nunca disse: Eu Sou o Cristo, apesar de que antes de O ser já O era, pois o Verbo de Deus já era antes de ser carne. A afirmação de «Quem me vê, vê o Pai» e outras similares são expressões da Igreja primitiva, que teve a noção, desde o início da sua existência, que Jesus era o Filho de Deus. De notar que antes do Mistério Pascal não existia a Igreja. Até na Transfiguração disse: «Não digais nada a ninguém» (Mt 17, 1-9); assim, não revela quase nada sobre a Sua Pessoa.

No entanto, dá-nos alguns indícios da Sua natureza:

a) O maior indício é dado pela Sua autoridade. «El carácter transcendente de la mesianidade de Jesús se descubre también en su manera de enseñar. Así como los profetas enseñaban siempre em nombre de Yahveh, Jesús afirma simplesmente: «Yo os digo». (...) Lo mismo puede decirse de la soberana autoridad con que Jesús se declara señor del sábado, obra milagros, perdona los pecados y transmite a sus apóstoles el poder de perdonarlos», (CHOPIN, C., El verbo encarnado y redentor, Editorial Herder, Barcelona, 1974). É um elemento importante, pois ela não advém do Livro, nem de nada que lhe é exterior. Por isso, as gentes se interrogavam sobre Jesus: «De onde lhe vem tamanha autoridade?». A Sua própria Pessoa é autoridade, pois Ele é, não sendo atribuída por ninguém. «Em verdade, Em verdade vos digo», expressão frequente de Jesus Cristo, sublinha a Sua autoridade que não lhe vem de fora. «Eu Sou a Luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas» (Jo 8,12) já é uma afirmação da Igreja primitiva;

b) A Sua relação com as instituições sagradas do Seu tempo: não afirma explicitamente que é superior à Lei, mas implicitamente é superior ao culto, ao Templo, às personalidades, ao Sábado, embora não o diga claramente; Jesus é Senhor do Sábado, como Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir;

c) Em relação aos grupos humanos do Seu tempo. As relações de Jesus implicam uma nova consciência, pois relaciona-se com os marginalizados, com os doentes, com os que não são tidos em conta na Sociedade, com publicanos, prostitutas, pecadores, pois são essas pessoas que melhor entendem e acolhem a Sua mensagem do Reino. Isto é uma forma de manifestar a Sua autoridade, pois ao comer com essas pessoas, Jesus provoca as autoridades do Seu tempo, não com pretensão de se sobrepor a ninguém: de facto se quisesse sobrepor aos outros não seguiria o caminho da Cruz, mas o da Glória, o que é contraditório. Deus ama os Seus filhos mais desprotegidos, tendo Jesus disso plena consciência;

d) A Sua relação com Deus também evidencia a Sua autoridade: Ele trata Deus por ‘Abba (Pai). Tratar Deus como Pai e comer com os pecadores levam-no à condenação. A sua oração é tão reveladora que os discípulos pedem a Jesus para lhes ensinar a orar, pois a Sua autoridade fascina-os; tratar Deus por Pai, Paizinho, traduz confiança que quebra as barreiras, se as houver: isto concerteza não foi invenção da Igreja primitiva. Jesus somou obediência e liberdade mediante o Pai. Jesus sem o dizer claramente e sem a pretensão de nada, tinha a consciência de ser o Filho de Deus, mas só o manifestou melhor a alguns. Por exemplo a Tiago, João e Pedro, na Transfiguração, embora ressalvando o facto de lhes dizer que não contassem a ninguém, pois não era chegado o tempo. Jesus tinha a consciência de ser quem era, ou seja tinha a auto-consciência, mas não tinha a preocupação de o dizer claramente.


II) CRISTOLOGIA EXPLÍCITA

Ao longo do Seu Ministério vai revelando progressivamente quem é, o que é comparável à revelação progressiva de Deus na história, obedecendo a esse plano revelador de Deus, com base em alguns factores:

a) Através da sua relação com os Apóstolos. Ele tinha a consciência da Sua autoridade, do carácter explícito da Sua Mensagem, «Jesus possuía evidentemente a consciência da própria messianidade, (Mar., 14, 61 e segs.), que, porém, era muito diferente daquela que os seus contemporâneos argumentavam pela sua descendência dadídica.», (LAPPLE, Alfred, Mensagem Bíblica para o nosso tempo, Edições Paulistas, 1968. pois partilha da Sua autoridade e delega-a aos Apóstolos que considerava amigos e não alunos ouvintes: a ele revelava-lhes tudo, através de Suas parábolas, nas quais se subentendia que hoje seria Jesus e amanhã seriam eles; é uma revelação de abertura, que não esconde nada, revelando a Sua verdadeira essência na Transfiguração; o destino e missão da Sua Pessoa consiste na verdadeira amizade. Com o Seu Ser e fazer é revelador de Seu Pai: «Quem Me vê, vê o Pai», (Jo 14,9). Além disso, sente-se que Jesus fala e actua no lugar de Deus. E esta indiscutível pretensão coloca-O acima de todos os profetas do Antigo Testamento.

b) Através de Títulos Cristológicos: nas Sagradas Escrituras há diversos títulos que se referem a Jesus, tais como: o Cristo, o Filho de Deus, o Filho do Homem, o Servo de Javé. «Jesus defendeu a afirmação de ser o Filho de Deus com os milagres e, sobretudo, com o poder de perdoar pecados.», (LAPPLE, Ibidem nota anterior). Tais expressões podem levar à conclusão que Jesus se declarava como Filho de Deus e Senhor. No entanto, um estudo mais aprofundado revela que tais títulos messiânicos e divinos são confissões de fé da Comunidade cristã primitiva, feita a partir da luz que lhes vinha da sua fé no Cristo ressuscitado. Apenas parece haver probabilidades de que os títulos de Filho do Homem e Servidor de Deus (Servo de Javé) tenham sido realmente apropriados a si mesmo pelo Jesus histórico.

Podia-se aplicar directamente esses títulos a Si próprio (dizendo «Eu Sou o Messias», mas não o fez); podiam ser atribuídos por outrem («Tu És o Messias»); ou então, ao dizer, Messias, Filho do Homem, Servo de Javé, não falava, mas deixava transparecer o Seu Ser. Jesus não usou os títulos de Majestade como os demais, mas tampouco o rejeitou explicitamente; Pilatos ao perguntar se ele era rei, Jesus transfere para Pilatos a responsabilidade, pois diz «Tu o dizes», não o afirmando explicitamente; compreende-Se a Si próprio numa linha de cumprimento das antigas profecias do Antigo Testamento: ao dizer «Filho do Homem» revela a Deus, sem esconder a Sua humanidade, pois Ele era a plenitude da revelação de Deus, ou então para dar cumprimento à profecia de Daniel.

Há uma incarnação do Divino e uma divinização do humano: é a união hipostática, ou seja a união de duas naturezas: a humana e a divina.

Jesus sabia quem era, «O seu agir e o seu pregar constituem o início de uma nova tradição. Jesus tem a consciência precisa de ser o portador definitivo da Revelação e da salvação, e como tal fala e age», ( MANNUCCI, Bíblia Palavra de Deus, Edições Paulinas, 1986). mas não o diz claramente, porque contrariaria a revelação progressiva, lenta de Deus e não rompe com esse esquema, de forma a não dizer que Eu Sou, mas que os outros digam que Ele é. Há um chamado Segredo Messiânico, pois Jesus alerta os discípulos que «não o digais a ninguém», por exemplo na Transfiguração do Tabor, pois o tempo deve cumprir-se, e não pode ser antecipado; nem os acontecimentos podem-se precipitar, criando falsas expectativas sobre Si próprio. De facto, esperava-se um Messias político e não dessa forma. Ele queria ser conhecido, mas queria que fossem os outros a conhecê-lo e não Ele próprio a revelar-se. Ele, ao provocar a autoridade implicitamente, constrói a Sua própria morte. A Sua pedagogia era preparar o Povo para a Sua Messianidade, fazendo com que respondessem à sua pergunta: «E vós quem dizeis que Eu Sou?».


4. A MORTE DE JESUS - O MESSIAS CRUCIFICADO

O projecto de Jesus era fazer a vontade do Pai e tinha a consciência da Sua morte na Cruz; Ele era o Servo de Javé, sofredor de que fala o Evangelho. As Suas atitudes, palavras, constroem a Sua própria morte, pois Ele próprio vai talhando a Sua Cruz; a Sua preferência pelos desprotegidos, pecadores, dita-lhe a própria morte; o anúncio do Reino, De facto, o reino de Deus e o Messias não era esperados por todos da mesma forma. «Os zelotes davam-lhe um sentido nacionalista; para outros tinha um significado apocalíptico com maior conteúdo espiritual e os fariseus faziam-no consistir numa religião de obras, reduzindo-a ao povo de Israel», (MARTÍN, DARÍO GUTIERREZ, O lado Humano de Jesus de Nazaré, Edições São Paulo, 1997). a Sua pregação, a expulsão dos vendilhões do Templo, o tratar-se por Filho de Deus (era considerado uma blasfémia), o comer com publicanos e pecadores, as Suas acções taumatúrgicas, os Sinais do Reino, levam a que Jesus fosse considerado uma ameaça muito grave para os detentores do poder político e até do religioso. Ele era o Messias e reindivicava para Si esses Títulos Messiânicos. Ver ponto anterior deste trabalho.

A Crucifixão Curiosamente, a Crucifixão de Jesus é uma «prova» da existência de Jesus, pois «se, portanto, os primitivos cristãos levam séculos a aceitar a ideia de que o seu Deus tenha morrido sobre uma cruz, como pensar que este modo de morrer seja inventado, no mito, pelos próprios cristãos?», (MESSORI, Vitorio, Hipóteses sobre Jesus, Edições Salesianas, Porto, 1976. era para os agitadores da ordem pública, para os pecadores; No livro “Jesus no Seu Tempo” das Selecções do Readers’s Digest, diz-se: «A crucifixão, descrita pelo orador romano Cícero como a “mais cruel e repugnante das penas”, era reservada, na Palestina, aos criminosos sem cidadania romana, usualmente apenas aos rebeldes contra o Estado, aos escravos delinquentes e aos mais bárbaros criminosos». a Sua entrada em Jerusalém era profética, aqui é vista de diferentes formas pelo Povo: para uns é como um revolucionário; para outros é um facto escatológica, que aponta para outra realidade que nos ultrapassa. mas há contradição, pois quando tudo adivinhava sucesso, acontece a Sua Morte; Mas «O grito de Jesus na cruz, amados irmãos e irmãs, não traduz a angústia dum desesperado, mas a oração do Filho que, por amor, oferece a sua vida ao Pai pela salvação de todos», (JOÃO PAULO II, À Entrada do Novo Milénio, Editorial A.O., Braga, 2001). Jesus perante a morte está sereno, pois sabe que é mais um Profeta a abater, deixando transparecer isso na Sua Parábola dos Vinhateiros; Ele sabia-o, mas não fugiria, pois a Sua vontade era fazer a vontade do Pai e dar cumprimento às Escrituras. Ele tem consciência da Sua própria morte; os discípulos tentam dissuadi-lo desse projecto, mas não o conseguem, pois eles não entendiam; só à luz da Ressurreição é que vão entender. A Morte em si é uma vergonha: «Escândalo da cruz (...). Os próprios discípulos não estavam dispostos a aceitar aquele caminho «absurdo» e desconcertante», tal foi visto esse facto na época», (BERNARDO, Ibidem, nota 3). é a vergonha da Sexta-Feira Santa: tudo está verdadeiramente consumado, estando a redenção de Cristo completa, com a obediência de Jesus a Deus elevada ao máximo.

Jesus Cristo encetou o caminho da Paixão, Morte e Ressurreição. Na Sua Paixão os grandes momentos teológicos foram a agonia, os julgamentos e ultrajes e a execução.

A Crucifixão envolvia um procedimento brutal: primeiro era chicoteado. Depois, escarneciam dele, colocando-lhe uma túnica escarlate em volta dos Seus ombros e na cabeça uma coroa de espinhos para troçarem da Sua afirmação de ser rei. Seguidamente Jesus foi obrigado a carregar a pesada travessa da Cruz «que poderia pesar uns 60 Kg», (Depois de Jesus, O Triunfo do Cristianismo, das Selecções do Reader’s Digest) em direcção ao Gólgota, colina do exterior de Jerusalém onde seria executado. Quando Jesus se mostrou demasiado fraco para levar a Cruz durante todo o caminho, os soldados obrigaram um provinciano que passara ali, a carregá-la por Ele. No Gólgota, pregaram-Lhe as mãos e os pés, tendo depois os soldados fixado um dístico em que se lia: «Jesus Nazareno, Rei dos Judeus». Jesus sofreu na Cruz cerca de seis horas, enquanto os passantes observavam o espectáculo, insultando-O alguns deles. E alguns ironizaram com Ele: «Salvou os outros... e não pode salvar-Se a Si mesmo! O Messias... o rei de Israel!... Desça agora da cruz, para que vejamos e acreditemos» (Mc 15, 31-32). Quando exalou o último suspiro, por volta das três horas da tarde, o centurião romano no Gólgota exclamou: «Este era verdadeiramente o Filho de Deus».

«O seguimento de Jesus exige a cruz antes do prémio». COMISSÃO TEOLÓGICO-HISTÓRICA DO GRANDE JUBILEU DO ANO 2000, Jesus Cristo Salvador do Mundo, Edições Paulinas, 1996 De facto, «Se alguém quer seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-Me. Pois, quem quiser salvar a vida, vai perdê-la; mas quem perder a vida por minha causa, salvá-la-á» (Lc 9, 23-24).

Jesus Cristo, ofereceu-se em sacrifício pela humanidade, como Vítima de expiação, redimiu--a, resgatou-a, libertou-a, pagando com a Sua Vida a Deus a “dívida” da ofensa contraída pelo pecado do Mundo. Jesus é o Messias, segundo fora anunciado no canto do Servo de Javé (Is 42, 1-4). «Ele não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida pelo resgate de muitos» (Mt 21, 28).

O acontecimento da ressurreição é que dará a verdadeira compreensão sobre Jesus e restitui aos seus discípulos o entusiasmo perdido após a Sua Morte. «A Ressurreição faz parte do «mistério pascal», acontecimento salvífico riquíssimo...», (Ibidem, nota anterior) Não acreditar na ressurreição de Jesus é o mesmo que ter uma fé morta, pois «Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa fé» (I Co 15, 14). Mas isto já é tema para outro posterior trabalho.


CONCLUSÃO:

«Quem dizem os homens que é o Filho do Homem? Responderam: Uns, que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas. E vós, quem dizeis que Eu sou? Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (Mt. 16, 13-17). Jesus é Alguém que é anunciado como Messias e Salvador, muitos séculos antes de ter nascido. “Cristo” significa, o Esperado, o Prometido, o Messias. O Seu nascimento, a Sua presença e mensagem não deixam ninguém indiferentes: a Sua Palavra suscita a mudança para quem O ouve; a maneira como ama os outros, como perdoa os pecados, cura as doenças, ressuscita os mortos, revela-O como verdadeiro homem, mas também como verdadeiro Deus.

«De tal maneira Deus amou o mundo, que lhe deu o Seu Filho único, para que todo aquele que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo. 3, 16). Jesus assume plenamente a condição humana, oprimida pelo pecado, mas desejosa de libertação: Ele vai salvar a humanidade em Si próprio. Pela Sua pregação da mensagem salvadora diz-nos que o homem só tem possibilidades de salvação na medida que aderir ao Reino de Deus. Este Reino de Deus consiste na introdução deste mundo na ordem de Deus, através do desaparecimento do pecado e da superação dos inimigos do homem e que exige a conversão das pessoas, através da ruptura com o mundo velho à margem de Deus e da adesão à realidade nova de Jesus Cristo. No entanto, não é só a Sua palavra que liberta, mas também os milagres que Ele faz, que libertam o homem das amarras do pecado, para que possam, com Ele, empreender a caminhada.

Jesus sabia Quem era e qual a Sua missão, pois a Sua autoridade que advém de Si próprio e não de algo exterior, a maneira como Se relaciona com os Seus discípulos, o seu interesse pelos mais desfavorecidos (é uma forma de manifestar a Sua autoridade), a Sua relação com Deus que trata de Pai, entre outros indícios, levam à afirmação de que Ele é o Filho de Deus, o Messias.

A morte de Cristo não foi uma catástrofe repentina e desligada do resto da Sua vida; a Sua Incarnação, vida, mensagem e morte formam um todo profundo. A morte estava implicada nas exigências da Sua Incarnação num mundo de pecado e no estilo da Sua vida e pregação. A morte de Cristo é simultaneamente o fim do pecado e da morte e quem nele crer viverá eternamente; mas para isso, é necessário segui-lo e imitar a Sua vida, pois «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a Si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me». A morte de Cristo é iluminada pela Ressurreição: esta significa a plena introdução no homem do Reino de Deus. Com a Ressurreição a morte é vencida e todo aquele que aderir a Cristo participará do Seu Mistério, pois segundo nos diz Jesus Cristo «Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a Minha palavra e acredita n’Aquele que Me enviou, tem a vida eterna e não incorre em condenação, mas passou da morte para a vida!» (Jo. 5, 24).

Exame de "Cristologia (Jesus Cristo - Filho de Deus)"
de Hélder Gonçalves a 12.02.2007
Escola Superior de Teologia e Ciências Humanas de Viana do Castelo
Professor: Padre Alfredo Domingues de Sousa
Avaliação Final: 18 Valores

HÉLDER GONÇALVES


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