quinta-feira, 11 de outubro de 2012

ANO DA FÉ - Dom Anacleto Oliveira

Nota Pastoral para a vivência do Ano da Fé

O Ano da Fé (de 11 de Outubro de 2012 a 24 de Novembro de 2013) foi proclamado pelo Santo Padre Bento XVI para nele comemorarmos dois dos eventos mais determinantes para a vida da Igreja, nos últimos anos: o II Concílio do Vaticano (iniciado há 50 anos, no dia 11 de Outubro) e a publicação do Catecismo da Igreja Católica (faz em 11 de Outubro 20 anos). “Será — segundo a expectativa do Santo Padre — uma ocasião propícia para introduzir a totalidade da estrutura eclesial num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé.”1

Nesse sentido, está programado, para a nossa Diocese de Viana do Castelo, um conjunto de iniciativas, cujo significado e objectivo se podem sintetizar no lema que escolhemos — Esta é a nossa fé: Cristo em nós – que passo a explicar:

1.  Bento XVI, Carta Apostólica A Porta da Fé, nº 4


1. Esta é a nossa fé: a fé que nos gloriamos de professar

As palavras iniciais do lema provêm da liturgia. “Esta é a nossa fé. Esta é a fé da Igreja, que nos gloriamos de professar, em Jesus Cristo, Nosso Senhor” é a exclamação com que o presidente das celebrações do Baptismo de crianças e do Crisma reage à profissão de fé proferida, respectivamente, pelos pais e padrinhos e pelos crismandos. Num caso como no outro, toda a assembleia é convidada a associar-se à fé professada, pelo menos com o ámen conclusivo. São palavras que exprimem, ao mesmo tempo, gratidão e orgulho:

São de gratidão, porque, conforme nos diz o Catecismo da Igreja Católica, “a fé é um dom sobrenatural de Deus. Para crer, o homem tem necessidade dos auxílios interiores do Espírito Santo.”2 É semelhante ao que se passa, a nível humano, entre um pai e o seu filho: o amor que este nutre pelo pai, deve-o, habitualmente, ao amor que o pai tem por ele. Entre Deus e nós acontece o mesmo, mas num grau infinitamente superior: Não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados (1 Jo 4, 10). E até para a descoberta deste amor impensável e a correspondente entrega de fé ao Deus que assim nos ama, é Ele que vem ao nosso encontro, através de tantos meios e pessoas que nos oferece, sobretudo na sua Igreja.

Daí também o sentido do orgulho ou profunda satisfação que sentimos com a nossa fé, um sentimento que deriva da sua componente humana. É que “a fé exige a vontade livre e a lucidez do ser humano, quando este se abandona ao convite divino.”3 Mas como a iniciativa vem de Deus, gloriar-se por e ao professar a fé significa, na prática, gloriar-se do que Ele faz em nós e por meio de nós. Ele próprio no-lo diz repetidamente na Sagrada Escritura: Quem se gloria, glorie-se no Senhor.4 Por isso gloriar-se em Deus é um dos modos, talvez o melhor, de Lhe agradecermos e de, assim, fortalecermos a filial comunhão que a Ele nos une. Como recorda Santo Agostinho, os crentes “fortificam-se acreditando.”5

É nesse contexto que o Santo Padre, para este Ano da Fé, manifesta a expectativa de que os cristãos, nos diversos âmbitos da sua vida eclesial, “encontrarão forma de fazer publicamente a profissão do Credo.”6 Na nossa Diocese, irão ser disponibilizados meios para que cada um de nós possa tê-lo sempre à mão nas três fórmulas oficiais na Igreja: a do Símbolo dos Apóstolos (a mais antiga), a do Símbolo Niceno Constantinopolitano (a mais elaborada) e a fórmula dialogada (usada na Vigília Pascal e nas celebrações do Baptismo e do Crisma). Teremos assim a possibilidade de rezar o Credo com mais frequência (se possível diária), individual e colectivamente (em família, grupo ou comunidade). Façamo-lo como sugere Santo Agostinho: “O Credo seja para ti como um espelho! Mira-te nele, para ver se realmente crês em tudo o que defines como fé. E alegra-te cada dia na tua fé!”7

Tratando-se de símbolos ou sínteses das verdades fundamentais da nossa fé, e para que as possamos proclamar com a gratidão e o orgulho próprios de quem realmente crê, peço que se atenda ainda ao seguinte:

2. Catecismo da Igreja Católica, nº 179.
3. Youcat — Catecismo Jovem da Igreja Católica, nº 21.
4. 1 Cor 1,31; 2 Cor 10, 17, com a citação de Jer 9,23.
5. Citação de Bento XVI, A Porta da Fé, nº 7.
6. Ibidem, nº 8.
7. Citação do Youcat, p. 29.


2. A Fé que nos gloriamos de conhecer

A razão para este conhecimento é-nos indicada pelo Catecismo da Igreja Católica: “É inerente à fé o desejo do crente de conhecer melhor Aquele em quem se acreditou e de compreender melhor o que Ele revelou; um conhecimento mais profundo exigirá, por sua vez, uma fé maior e cada vez mais abrasada em amor.”8 Trata-se de uma espiral idêntica à do amor entre as pessoas: quanto melhor conhecemos alguém que amamos, maior é o nosso amor por essa pessoa; e quanto mais a amamos, melhor a desejamos conhecer.

Daí que seja este um dos pontos em que o Papa mais insiste: a fim de celebrarmos “este Ano de forma digna e fecunda, deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente a sua adesão ao Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver. ”Por isso, “descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada, e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.”9

Porque estamos conscientes deste compromisso, é na formação da fé que iremos apostar, através de algumas iniciativas já programadas e a programar. Das que têm uma dimensão diocesana, destaco em primeiro lugar as que se destinam ao Clero: as Jornadas de Formação Permanente, a realizar durante a Semana da Diocese e nas quais serão analisados o decreto conciliar Presbiterorum Ordinis sobre o Ministério e Vida dos Sacerdotes e outros documentos posteriores da Igreja que tratam do mesmo tema. Para reflectirmos sobre as incidências das directivas conciliares e pós-conciliares na vida pessoal, comunitária e pastoral dos sacerdotes na nossa Diocese, teremos dez Assembleias do Clero, uma por mês e em cada um dos Arciprestados. Queremos desta forma ajudar cada padre a ser realmente aquilo que, segundo S. Paulo, o identifica: um homem de Deus que, na sua vida e missão, combate o bom combate da fé.10

Concomitantemente prestaremos especial atenção à formação dos seus principais colaboradores nas três áreas da vida das comunidades paroquiais: a catequese, a liturgia e a acção socio-caritativa. Para tal, o Instituto Católico propõe-se colocar em acção, a partir do presente ano pastoral, além da Escola de Teologia e Ciências Humanas já em actividade há vários anos, mais três Escolas: a Escola de Ministérios (catequéticos, litúrgicos e caritativos), a Escola de Música Sacra e a Escola de Espiritualidade. Além da formação específica de cada uma, terão um tronco teológico comum, estruturado de acordo com o plano próprio do Catecismo da Igreja Católica.

E nisto não fazemos mais que seguir as orientações do Papa, quando diz: “Para chegar a um conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no Catecismo da Igreja Católica (…), um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II. (…) Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres da teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina, para dar certeza aos crentes na sua vida de fé.”11

Para a sua descoberta, saúdo outras iniciativas pensadas, não só para a divulgação do Catecismo, como sobretudo para a sua leitura pessoal e em grupos, nomeadamente pelos jovens que no Youcat encontram uma versão a eles adaptada.

8. Catecismo da Igreja Católica, nº 158.
9. Bento XVI, A Porta da Fé, nº 8 e 9.
10. 1 Tim 6, 11.12. A expressão Homem de Deus é aplicada no at aos que recebem um encargo divino e por S. Paulo (também em 2 Tim 3, 17) a quem é ordenado para dirigir uma comunidade cristã.
11. Bento XVI, Porta da Fé, nº 11.


3. A fé que nos gloriamos de celebrar, em especial na liturgia

É na liturgia que se alcança “o cume para o qual se dirige toda a actividade da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde provém toda a sua força.”12 É nela que mais frequente e solenemente proclamamos o Credo, pelo qual, geralmente a seguir às leituras bíblicas, exprimimos a nossa fé como obediência (do latim ob-auditio) à audição (do latim auditio) da Palavra de Deus. “Obedecer (…) na fé é submeter-se à palavra escutada, por a sua verdade ser garantida por Deus, que é a própria verdade.”13

Mas “fonte e cume de toda a vida cristã”14 é principalmente a Eucaristia, em cujo centro Jesus Cristo, o Filho Unigénito de Deus, nos oferece o seu “Corpo entregue por nós” e o seu “Sangue derramado por nós” — o principal “Mistério da Fé” — que acolhemos e contemplamos numa atitude de profunda adoração e num silêncio expressivo do respeito mais sagrado. E depois de sacramentalmente O comungarmos, “tornamo-nos um com Deus, como o alimento com o corpo”, como disse S. Francisco de Sales a propósito da Sagrada Eucaristia.15 Por esta e outras razões, a Eucaristia “é o resumo e a súmula da nossa fé: «A nossa maneira de pensar está de acordo com a Eucaristia; e, por sua vez, a Eucaristia confirma a nossa maneira de pensar».”16

Na nossa Diocese, o Ano da Fé será iniciado, a 14 de Outubro, com a solene celebração da Eucaristia, à mesma hora (11 horas) e em cada um dos Arciprestados. Para que nela possa participar o maior número possível de fiéis, não haverá nesse Domingo, em toda a Diocese, outras celebrações eucarísticas, com excepção das vespertinas. Deste modo, reforçaremos também a comunhão que a todos nos une na mesma Igreja e que tem na comunhão do Corpo e Sangue de Cristo a sua fonte principal: Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque participamos desse único pão (1 Cor 10, 17).

Exige-se por isso um cuidado especial na preparação e realização, não só desta celebração eucarística, mas de todas as outras, ao longo do ano e mesmo em dias de semana. Evitemos tudo o que possa levar à sua banalização e instrumentalização, respeitando todas as orientações e normas da Igreja neste campo e, acima de tudo, a grandeza e beleza do mistério celebrado. Esperamos que as Escolas de Ministérios, de Música Sacra e de Espiritualidade, tal como o Encontro Diocesano de Liturgia ajudem a melhorarmos, ainda mais, a qualidade das nossas celebrações.

É tão grande o mistério celebrado na liturgia, em especial a eucarística, que, se for verdadeiramente apreendido, tem necessariamente de prolongar-se para além da celebração. Prolonga-se, primeiramente, em actos directamente ligados a ela, como são a adoração eucarística fora da Missa e as procissões eucarísticas, ambas com grandes tradições entre nós e com um valor que está a ser (re)descoberto, designadamente por crianças e jovens.

Prolonga-se também noutras ocasiões e formas de oração que, como “relação viva com Deus”, tem na liturgia o seu lugar privilegiado e é, não só “a porta para a fé”17, mas a própria fé em acção. Daí que S. Tiago lhe chame oração da fé (Tg 5, 15), uma oração cuja eficácia é indicada por Jesus: Tudo o que pedirdes na oração, acreditai que já o recebestes e assim vos sucederá (Mc 11, 24). É que, diz Ele ainda, tudo é possível a quem acredita (9, 23). É possível, porque no crente, que incondicionalmente se confia a Deus pela oração, passa a actuar o mesmo Deus, a quem nada é impossível (Lc 1, 37).

Dê-se, por isso, neste Ano da Fé, um lugar privilegiado a esta oração da fé, pessoal e comunitária, e ver-se-á como a promessa de Jesus de facto se realiza, nomeadamente em dois outros efeitos da comunhão com Deus assim vivida — a fé que leva à prática da caridade e a fé testemunhada:

12. II Concílio do Vaticano, Constituição Sacrosanctum Concilium, nº 10.
13. Catecismo da Igreja Católica, nº 144. A expressão obediência de fé aparece em Rom 1, 5 e 16, 26.
14. II Concílio do Vaticano, Constituição Dogmática Lumen Gentium, nº 11.
15. Citação do Youcat, p. 125.
16. Catecismo da Igreja Católica, com uma citação de S. Irineu.


4. A fé que nos gloriamos de viver pela prática da caridade

Se a fé nasce e vive do amor infinito que Deus tem por nós, ela só existe se actua pelo amor (Gal 5, 6). Consequentemente, a caridade é o barómetro da fé: Se alguém disser: “Eu amo a Deus”, mas tiver ódio ao irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê (1 Jo 4, 20). Ou, por outras palavras: a fé, se ela não tiver obras, está completamente morta (Tg 2, 17).

Mas, sendo verdade que a fé precisa das obras da caridade, também é verdade o inverso: “a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida.” Por isso, “fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho.”18

Neste campo, temos de começar pela caridade entre nós cristãos, já que é ela que, conforme diz Jesus, nos identifica: Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros (Jo 13, 34-35).

Esta exortação é feita na última Ceia, um contexto que nos remete para a vivência da Eucaristia, e será com ela que, conforme referi atrás, iniciaremos o Ano da Fé. Que todos aqueles que nela participarem, o façam também como expressão do seu amor pelos irmãos na fé, como de resto sempre deve acontecer. Procure cada um estar presente, não apenas por aquilo que precisa de Cristo e dos outros, mas também pelo muito que, levado pelo amor de Cristo, lhes pode dar, com a sua presença activa, com a partilha de carismas e bens, com a sua fé e oração, na certeza de que, quanto mais dá e se dá, mais recebe. Não será a caridade assim vivida que sentimos fazer falta em muitas das nossas celebrações?

Orientado por este mesmo objectivo de reforçar a consciência de comunhão eclesial, está estruturado o programa das já mencionadas Escolas de Ministérios, de Música Sacra e de Espiritualidade: é comum a todas elas a mesma formação teológica baseada no Catecismo da Igreja Católica. Isto é, também nelas se realizam as palavras de S. Paulo acerca da comunhão da Igreja, Corpo de Cristo: Há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. E isto, porque nos movemos por aquele caminho de perfeição que ultrapassa tudo: o da caridade que não acaba nunca (1 Cor 12, 4-7.31; 13, 8).

Finalmente, e ainda em ordem à efectiva vivência da caridade e comunhão da Igreja que formamos, iremos todos, padres e fiéis-leigos, esforçar-nos, neste Ano da Fé, para que seja total e definitivamente implementada na nossa Diocese a Legislação para a Administração dos Bens Temporais da Igreja, recentemente publicada. Para isso, o Instituto Católico proporá algumas acções de formação específica, dirigidas particularmente aos membros dos Conselhos Paroquiais para os Assuntos Económicos. Será bom que nenhuma Paróquia perca esta oportunidade.

Mas, todos sabemos que a caridade, identificativa da Igreja, tem de ir para além do âmbito estritamente eclesial. Seus destinatários privilegiados são todos os carenciados, sem distinção de raça, nação ou religião.

Graças a Deus, já muito se faz por eles na nossa Diocese, pelo que podemos aplicar a nós as palavras do Santo Padre: “De facto, não poucos cristãos dedicam amorosamente a sua vida a quem vive sozinho, marginalizado ou excluído, considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a quem socorrer, porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo.”19

E se vemos neles o rosto de Cristo, não podemos amá-los apenas por um simples impulso humano, mas levados por aquela fé que, vivida na comunhão com Deus, garante um amor genuíno e persistente e não se contenta com a ajuda material, indo até às raízes sociais, morais e espirituais das carências humanas.

Para que se atenda a toda esta abrangência da caridade, chamo a atenção principalmente de organismos e entidades cristãs da nossa Diocese, como a Caritas, as Conferências de S. Vicente de Paulo e as Instituições de Solidariedade Social da Igreja, e apelo a que se aproveite a proposta que a Escola de Ministérios preparou para a formação de cristãos disponíveis para colaborar na pastoral da saúde. Convido ainda todos os que puderem a dar todo seu apoio à Peregrinação dos Débeis que irá realizar-se a nível diocesano.

18. Bento XVI, A Porta da Fé, nº 14.
19. Ibidem, nº 14.


5. A fé que nos gloriamos de testemunhar

Para S. Paulo esta é uma necessidade vital — Ai de mim, se não evangelizar! (1 Cor, 9, 16) — que deriva da fé no Evangelho: Diz a Escritura: «Acreditei; por isso falei». Com este mesmo espírito de fé, também nós acreditamos e por isso falamos, sabendo que Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos há-de ressuscitar com Jesus e nos levará convosco para junto d’Ele (2 Cor 4, 13-14).

Daí que este testemunho de fé seja também “um acto de justiça que estabelece ou que dá a conhecer a verdade”20 — a verdade do Evangelho (Col 1,5) de que vivemos e que tem de manifestar-se em nós.

Dado o seu conteúdo, testemunhar o Evangelho é finalmente um impulso da caridade: O amor de Cristo nos impele, ao pensarmos que um só morreu por todos (…), para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles (2 Cor 5, 14-15) — e, n’Ele, vivam para aqueles por quem Ele deu a vida, incluindo os que ainda não descobriram quanto Ele os ama.

E quantos desejam conhecê-l’O! Muitos, talvez inconscientemente. Escreve o Santo Padre: “Não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus. De facto, a própria razão do homem traz inscrita em si mesma a exigência daquilo que permanece para sempre.”21

Com base nisto, pensamos, neste Ano da Fé, organizar ocasiões de diálogo, nomeadamente a nível cultural entre crentes e não crentes: com palestras, exposições de obras de arte, concertos musicais, representações teatrais, divulgação literária… Em muitos casos, inserindo-nos em iniciativas de ordem cultural que a sociedade civil nos proporcione e intervindo nos meios de comunicação social, sempre que nos disponibilizarem oportunidades de o fazermos.

Nisso, como em qualquer outra forma de inserção no espaço em que cada um de nós vive, o mais importante é que o nosso testemunho, para ser credível, tem que ser de amor. O conteúdo e a fonte da nossa fé é o amor de Deus; e este transmite-se na medida em que se pratica, nomeadamente para com aqueles a quem queremos e devemos falar de Deus e assim despertá-los para a fé. Neste amor de Deus, vivo em cada um de nós, se fundamenta e exprime a dimensão eclesial da fé:

20. Catecismo da Igreja Católica, nº 247, onde se acrescentam as palavras do Decreto Ad Gentes do II Concílio do Vaticano: “Todos os fiéis cristãos, onde quer que vivam, têm obrigação de manifestar, pelo exemplo de vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de que se revestiram pelo Baptismo e a virtude do Espírito Santo com que foram robustecidos na Confirmação.”
21. Bento XVI, A Porta da Fé, nº 10.


6. Esta é a nossa fé: a fé da Igreja

Por ser “uma resposta livre à proposta de Deus que Se revela”, por esta razão, “a fé é aquilo que uma pessoa tem de mais pessoal.”22 Daí que, nas suas três fórmulas, o Credo seja proferido na primeira pessoa do singular: “(sim) creio.”

No entanto, a fé “não é um acto isolado. Ninguém pode acreditar sozinho, tal como ninguém pode viver sozinho. Ninguém se deu a fé a si mesmo, como ninguém a si mesmo se deu a vida. Foi de outrem que o crente recebeu a fé; a outrem a deve transmitir. (…) Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia de crentes. Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo também para amparar os outros na fé.”23

Por outras palavras: “Recebemos a fé da Igreja e vivemos em comunhão com todas as pessoas com quem partilhamos a nossa fé.”24 Sentimos isso, sobretudo quando, na sua proclamação, unimos a nossa voz à de outros participantes na mesma assembleia litúrgica. E talvez o sintamos ainda mais, quando nessa assembleia estão pessoas de línguas diferentes e cada uma diz “(sim) creio” na sua própria língua. Então compreendemos melhor a Palavra de Deus transmitida por S. Paulo: Há um só Corpo e um só Espírito, como há uma só esperança na vida a que fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, actua em todos e em todos Se encontra (Ef 4, 4-6).

Procuremos, no Ano da Fé, reforçar esta unidade eclesial, na consciência de que cada um de nós é membro de uma mesma comunidade cristã, na sua Paróquia que, por sua vez, pertence a uma Diocese e esta faz parte de uma só Igreja de Jesus Cristo. Esse é um dos objectivos da maior parte das actividades programadas a nível diocesano, com realce para duas: a Eucaristia de Abertura, na qual, para acentuar a comunhão eucarística vivida à mesma hora em toda a Diocese, será lida uma mensagem que irei dirigir a todos os diocesanos, como seu Bispo; e a Assembleia Diocesana conclusiva, a realizar a 24 de Novembro de 2013, o Domingo no qual, em comunhão com toda a Igreja e na mesma fé à escala mundial, celebraremos a Solenidade em que todos os cristãos reconhecem e proclamam Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo. Deste modo:

22. Catecismo da Igreja Católica, nº 166, e Youcat, nº 24.
23. Catecismo da Igreja Católica, ibidem.
24. Youcat, ibidem


7. A nossa fé será ainda mais, e fundamentalmente, Cristo em nós

A expressão “Cristo em nós”, que faz parte do lema para o Ano da Fé na nossa Diocese, inspira-se no título da Carta Pastoral “Cristo em Vós: a Esperança da Glória” que escrevi há um ano, isto é, no início do segundo após a minha entrada nesta Igreja diocesana que o Senhor me deu a graça de dirigir como Bispo.

Conforme escrevi na introdução, a Carta visa ajudar cada leitor a encontrar-se pessoalmente com Cristo — um encontro que, segundo palavras do Papa Bento XVI aí citadas, está “no início do ser cristão” e “dá à vida um novo horizonte e, desta forma, um rumo decisivo.” É exactamente esse, o mesmo objectivo que o Santo Padre, com grande insistência, volta a propor como caminho para o Ano da Fé: “fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo.”25

Por isso a minha Carta Pastoral, como proposta desse mesmo caminho da fé, ganha ainda mais actualidade. Até porque, mais do que uma simples e única leitura, importa percorrer, pessoal e repetidamente, o itinerário que nela proponho. Mais: todas as iniciativas, já em curso ou ainda a propor, para a renovação e revitalização da vida cristã na nossa Diocese, só serão possíveis e terão pleno sentido se tiverem como fundamento e nelas se concretizar a fé que nos une a Deus, em Jesus Cristo Nosso Senhor, isto é, com Cristo em nós, como cristãos e sua Igreja.

Nesse caso, proclamar: “Esta é a nossa Fé: Cristo em Nós” pode ser visto como uma exclamação de fé — a fé com que aderimos ao Evangelho que Deus, por meio do seu Apóstolo S. Paulo, nos resume e anuncia com as palavras: “Cristo em vós: a Esperança da Glória.”26 Queira Deus que assim seja.

25. Bento XVI, A Porta da Fé, nº 2; vejam-se ainda os nº 6, 7, 8, 11, 13 e 15.


  • Coloquemos o olhar nos muitos “exemplos de fé” que o Santo Padre nos propõe como modelos e incentivo para a nossa vivência do Ano da Fé.27

  • Contemplemos em primeiro lugar, e até por ser também a padroeira principal da nossa Diocese, Santa Maria que, pela graça divina e a sua total adesão de fé à Palavra do Anjo como escrava do Senhor (Lc 1, 38), se tornou Mãe de Deus e nossa Mãe. Por isso ela foi tão feliz: porque acreditou (1, 45).

  • Acolhamos também o exemplo dos outros dois padroeiros desta Diocese que percorreram o mundo semeando a fé da Igreja: São Teotónio e o Bem-aventurado Bartolomeu dos Mártires. O primeiro iniciou na nossa Diocese a sua caminhada de fé, o segundo aqui a terminou e aqui está sepultado.

  • Que todos eles, juntamente com os padroeiros das nossas comunidades paroquiais, nos protejam, neste Ano da Fé, com a sua intercessão junto de Deus!
26. Em Col 1, 27.
27. Bento XVI, A Porta da Fé, nº 13.

Viana do Castelo, 8 de Setembro de 2012
Festa da Natividade da Virgem Santa Maria.
† Dom Anacleto Oliveira
Bispo de Viana do Castelo

HÉLDER GONÇALVES

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