O mistério da salvação, sem embargo para
a sua dimensão pessoal no interior de cada homem, possui uma dimensão temporal
e histórica. Como Santo Irineu pôs em evidência, ele realiza-se ma duração do
tempo (cap. IV, 2), em referência à evolução da história da humanidade. No
plano misterioso de Deus providente e salvador, essa evolução deveria tender
para a plenitude – a plenitude dos tempos -, na qual teria lugar a obra da salvação.
Nesse sentido, devemos ainda distinguir duas plenitudes: a plenitude (relativa)
dos tempos messiânicos, que se prolonga no chamado tempo da Igreja, e a
plenitude absoluta dos tempos escatológicos (Gal 4,4); Ef 1,10).
Não se trata de uma perfeição ou
maturidade atingidas pela humanidade, nem em sentido negativo (no mal) nem em
sentido positivo (no bem), que por si se tornassem necessitantes ou
determinantes do acontecimento salvífico. Trata-se, por um lado, de um tempo em
que se chegou ao fim daquela preparação que Deus, no seu plano pedagógico
salvífico livremente estabelecido, considerou necessária para que o Messias
salvador realizasse a sua obra de salvação; e, por outro lado, trata-se de um
tempo no qual o mesmo Messias deveria “encher”, “planificar” ou “cumprir” as
profecias, isto é, dar pleno cumprimento ou plena resposta à esperança de
Israel e da humanidade pagã.
Com efeito, se a angústia secular da
humanidade pagã dera lugar à esperança da salvação acalentada na alma de
Israel, uma tal esperança, suscitada e alimentada pelo próprio Deus, não foi
desiludida: “Quando chegou a plenitude dos tempos, o Verbo fez-se carne e
habitou entre nós cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14; Gal 4,4; D:V 17). Ao
homem perdido na obscuridade do seu mistério e na angústia do seu drama,
suspirando por uma salvação, Deus respondeu finalmente com o dom de Jesus
Cristo, o Filho de Deus que, fazendo-se homem, veio iluminar o mistério do
homem com a plenitude da sua verdade e salvá-lo do seu drama com a plenitude da
sua graça. Em jesus Cristo, como cantou Zacarias,
Deus visitou e redimiu o seu povo
e nos deu um Salvador poderoso,
………………..
conforme prometeu pela boca dos seus
santos,
os profetas dos tempos antigos,
………………..
recordando a sua sagrada aliança
e o juramento que fizera a Abraão nosso
pai.
Jesus Cristo é portanto o Messias
esperado, o Ungido ou o “Cristo” do Senhor, marcado desde a sua concepção
virginal pela especialíssima unção do Espírito Santo, em cuja a força irá
realizar a sua obra de salvação. Nele será dado cumprimento à promessa
messiânica feita a Abraão sob a figura da bênção futura (Gen 12,2-3), como
assinalou São Paulo ao escrever: “Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, que do alto dos Céus nos abençoou com todas as bênçãos espirituais em
Cristo” (Ef 1,3).
O mistério de Cristo Salvador, realizado
na plenitude dos tempos, actua sobre a humanidade perdida, em três modalidades
diferentes, a que correspondem três tempos distintos, todos eles integrados na
plenitude dos tempos: a modalidade pessoal, a que corresponde o tempo de
Cristo; a modalidade sacramental, a que corresponde o tempo da Igreja; e a
modalidade escatológica, a que corresponde o tempo escatológico.
Na primeira, a graça da salvação
torna-se realidade plena na pessoa de Cristo ressuscitado e elevado ao Céu como
cabeça do seu Corpo Místico que é a Igreja ou como primícias de todos os que
hão-de ressuscitar com Ele para a glória celeste; em relação aos membros do seu
Corpo, a salvação é oferecida como possibilidade de participação gratuita no
mesmo mistério de Cristo Salvador (Mc 16,15-16).
Na segunda, a graça da salvação actua em
modo sacramental – isto é, por meio de sinais eficazes e incoativos da
plenitude da salvação – sobre todos aqueles que, acolhendo pela fé a oferta de
Jesus Cristo, são chamados pelo Baptismo à in-corporação no seu Corpo Místico
que é a Igreja, sacramento universal da salvação (Ibid.).
Na terceira, a graça da salvação actua
na sua plenitude sobre todos aqueles que, tendo aderido a Cristo e n’Ele tendo
sido incorporados pelo baptismo (ainda que apenas de desejo, e mesmo que seja
apenas um desejo implícito), depois de se terem identificado com Ele na morte,
com Ele participam na glória da ressurreição para a vida eterna.
HÉLDER GONÇALVES
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