domingo, 5 de maio de 2013

Mistério da Encarnação


A encarnação do Verbo reveste-se portanto, ela mesma, de um profundo significado soteriológico: a Encarnação é já o princípio da salvação. Esta é a verdade da fé – Deus fez-se homem em Jesus Cristo para salvar o homem – significa com efeito que Deus, fazendo-se homem, identificando-se com o homem, unindo a si numa só Pessoa divina a natureza humana, assumiu a condição humana, isto é, tomou-a por sua conta, fez dela a sua própria condição. Desse modo Ele juntou numa só Pessoa a miséria do homem e a capacidade de a superar, a humana perdição e o poder divino da salvação.

Na verdade, uma vez que o homem foi o autor da sua perdição, convinha que ele fosse também co-agente da sua salvação. Também aqui, Aquele que criara o homem sem ele, não quis que fosse salvo sem a sua co-operação. Se o homem pecou livremente, livremente deveria, por um acto inteiramente humano, contribuir para a destruição do pecado e das suas consequências. Porém, se o homem teve capacidade para, por si só, se perder, não tinha, por si só, a capacidade de se salvar. Só um homem-Deus, em nome da humanidade e de cada homem, o poderia fazer, já que só um homem-Deus poderia satisfazer a justiça divina ofendida, repondo a ordem da justiça. Esse homem-Deus foi dado à humanidade em Jesus Cristo.


* O mistério do homem assumido: a plenitude da revelação

Em Cristo, Verbo encarnado, Deus assumiu antes de mais a dimensão mistérica do homem. “O Verbo era a luz verdadeira que, vindo ao mundo, a todo o homem ilumina” (Jo 1,9). Ele, que era a Palavra consubstancial do Pai, fazendo-se homem, iluminou com a sua luz aquela zona obscura do mesmo homem que só a luz de Deus podia iluminar. Na verdade, “o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente” (G.S. 22) “Em Cristo e por Cristo, Deus revelou-se plenamente à humanidade e aproximou-se definitivamente dela. Ao mesmo tempo, em Cristo e por Cristo, o homem adquiriu plena consciência da sua dignidade, da sua elevação, do valor transcendente da própria humanidade e do sentido da sua existência”. (R.H. 11). Cristo iluminou especialmente o mistério do drama humano, à luz do desígnio de salvação que Deus tinha para o homem, na medida em que Ele, “novo Adão”, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime” (ibid.). veja-se, a propósito, todo o nº22 da constituição conciliar Gaudium et Spes.

A revelação de Jesus Cristo constituiu-se como a plenitude da revelação: tudo o que Deus tinha para revelar ficou completo em Cristo, de tal modo que a própria revelação do Antigo Testamento ganha o seu pleno sentido à luz de Cristo e da sua revelação que é o Novo Testamento. “Depois de ter falado muitas vezes e de muitas maneiras pelos profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos Deus através de seu Filho (Heb 1,1-2). Com efeito, enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina todos os homens, para viver no meio deles e manifestar-lhes os segredos íntimos de Deus (Jo 1,1-18). Jesus Cristo, Verbo Encarnado, enviado como homem aos homens, fala as palavras de Deus (Jo 3,34) e consuma a obra de salvação que o Pai lhe confiou (Jo 5,36; 17,4). Por isso Ele – ao qual quem vê, vê o Pai (Jo 14,9) – com a sua total presença e manifestação pessoal, com a sua morte e gloriosa ressurreição de entre os mortos, enfim, com o envio do Espírito da Verdade, completa, aperfeiçoando-a, a obra da revelação e confirma com o seu testemunho divino que verdadeiramente Deus está connosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e nos ressuscitar para a vida eterna” (D.V. 4).

Convém, entretanto, notar que Cristo não revelou apenas os caminhos de Deus para salvar o homem – o seu desígnio salvífico – mas também revelou os caminhos do homem, isto é, o caminho da salvação que o homem precisa de percorrer para que o desígnio de Deus produza nele o seu efeito. A Si próprio se definiu como a luz do mundo (Jo 8,12; 12,35) que é necessário seguir para se ter a luz da vida; e a Si próprio se apresentou como sendo “o caminho, a verdade e a vida”, ninguém vai ao Pai senão por Ele (Jo14,6). O seu Evangelho – exemplo pessoal e doutrina ensinada – é esse caminho do homem que o conduz à salvação.


O drama do homem assumido: a instauração do reino de Deus

Como vimos, pela sua encarnação Jesus assumiu sobretudo o drama do homem nas suas diferentes expressões: o drama da fragilidade em geral e as suas concretizações no drama do mal e do sofrimento, no drama do pecado e no drama da morte. Assumiu-o para o superar, aniquilando o reino da iniquidade ou o reino do mal em todas as suas formas, para instaurar o reino de Deus (Ef 3,10). No decurso da sua missão messiânica, Ele anunciou-o (Lc 4,16-21), definiu-lhe o estatuto (Mt 5), deu-lhe início com os seus milagres e consumou-o com a sua morte, a sua ressurreição gloriosa e a sua ascensão aos Céus. A obra de graça destruída em Adão ficou assim restabelecida em Jesus Cristo, novo Adão ou homem novo, primogénito de uma nova humanidade e de um mundo novo.

Os milagres de Jesus estão na sequência das “mirabilia Dei” do Antigo Testamento e são sinais que realizam já incoativamente a salvação que significam: com jesus, Messias Salvador, as doenças, o mal em geral, a morte e o pecado que está na raiz da perdição humana começam a recuar e a ser vencidos e essa vitória anuncia a vitória plena e definitiva sobre o reino do mal e sobre aquele que, desde o princípio, actua no mundo dos homens como príncipe das trevas, Satanás (Mt 12,28). A mão estendida do homem encontra-se com a eficácia da mão salvadora de Deus. Todavia, o grande milagre de jesus, a obra maravilhosa de Deus por excelência, foi o acto redentor da morte na cruz, seguida da ressurreição gloriosa.

HÉLDER GONÇALVES

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