A encarnação do Verbo reveste-se
portanto, ela mesma, de um profundo significado soteriológico: a Encarnação é
já o princípio da salvação. Esta é a verdade da fé – Deus fez-se homem em Jesus
Cristo para salvar o homem – significa com efeito que Deus, fazendo-se homem,
identificando-se com o homem, unindo a si numa só Pessoa divina a natureza
humana, assumiu a condição humana, isto é, tomou-a por sua conta, fez dela a
sua própria condição. Desse modo Ele juntou numa só Pessoa a miséria do homem e
a capacidade de a superar, a humana perdição e o poder divino da salvação.
Na verdade, uma vez que o homem foi o
autor da sua perdição, convinha que ele fosse também co-agente da sua salvação.
Também aqui, Aquele que criara o homem sem ele, não quis que fosse salvo sem a
sua co-operação. Se o homem pecou livremente, livremente deveria, por um acto
inteiramente humano, contribuir para a destruição do pecado e das suas
consequências. Porém, se o homem teve capacidade para, por si só, se perder,
não tinha, por si só, a capacidade de se salvar. Só um homem-Deus, em nome da
humanidade e de cada homem, o poderia fazer, já que só um homem-Deus poderia
satisfazer a justiça divina ofendida, repondo a ordem da justiça. Esse
homem-Deus foi dado à humanidade em Jesus Cristo.
* O mistério do
homem assumido: a plenitude da revelação
Em Cristo, Verbo encarnado, Deus assumiu
antes de mais a dimensão mistérica do homem. “O Verbo era a luz verdadeira que,
vindo ao mundo, a todo o homem ilumina” (Jo 1,9). Ele, que era a Palavra
consubstancial do Pai, fazendo-se homem, iluminou com a sua luz aquela zona
obscura do mesmo homem que só a luz de Deus podia iluminar. Na verdade, “o
mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece
verdadeiramente” (G.S. 22) “Em Cristo e por Cristo, Deus revelou-se plenamente
à humanidade e aproximou-se definitivamente dela. Ao mesmo tempo, em Cristo e
por Cristo, o homem adquiriu plena consciência da sua dignidade, da sua
elevação, do valor transcendente da própria humanidade e do sentido da sua
existência”. (R.H. 11). Cristo iluminou especialmente o mistério do drama
humano, à luz do desígnio de salvação que Deus tinha para o homem, na medida em
que Ele, “novo Adão”, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor,
revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime” (ibid.).
veja-se, a propósito, todo o nº22 da constituição conciliar Gaudium et Spes.
A revelação de Jesus Cristo
constituiu-se como a plenitude da revelação: tudo o que Deus tinha para revelar
ficou completo em Cristo, de tal modo que a própria revelação do Antigo
Testamento ganha o seu pleno sentido à luz de Cristo e da sua revelação que é o
Novo Testamento. “Depois de ter falado muitas vezes e de muitas maneiras pelos
profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos Deus através de seu Filho (Heb
1,1-2). Com efeito, enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina
todos os homens, para viver no meio deles e manifestar-lhes os segredos íntimos
de Deus (Jo 1,1-18). Jesus Cristo, Verbo Encarnado, enviado como homem aos
homens, fala as palavras de Deus (Jo 3,34) e consuma a obra de salvação que o
Pai lhe confiou (Jo 5,36; 17,4). Por isso Ele – ao qual quem vê, vê o Pai (Jo
14,9) – com a sua total presença e manifestação pessoal, com a sua morte e
gloriosa ressurreição de entre os mortos, enfim, com o envio do Espírito da
Verdade, completa, aperfeiçoando-a, a obra da revelação e confirma com o seu
testemunho divino que verdadeiramente Deus está connosco para nos libertar das
trevas do pecado e da morte e nos ressuscitar para a vida eterna” (D.V. 4).
Convém, entretanto, notar que Cristo não
revelou apenas os caminhos de Deus para salvar o homem – o seu desígnio
salvífico – mas também revelou os caminhos do homem, isto é, o caminho da
salvação que o homem precisa de percorrer para que o desígnio de Deus produza
nele o seu efeito. A Si próprio se definiu como a luz do mundo (Jo 8,12; 12,35)
que é necessário seguir para se ter a luz da vida; e a Si próprio se apresentou
como sendo “o caminho, a verdade e a vida”, ninguém vai ao Pai senão por Ele
(Jo14,6). O seu Evangelho – exemplo pessoal e doutrina ensinada – é esse
caminho do homem que o conduz à salvação.
* O drama do
homem assumido: a instauração do reino de Deus
Como
vimos, pela sua encarnação Jesus assumiu sobretudo o drama do homem nas suas
diferentes expressões: o drama da fragilidade em geral e as suas concretizações
no drama do mal e do sofrimento, no drama do pecado e no drama da morte.
Assumiu-o para o superar, aniquilando o reino da iniquidade ou o reino do mal
em todas as suas formas, para instaurar o reino de Deus (Ef 3,10). No decurso
da sua missão messiânica, Ele anunciou-o (Lc 4,16-21), definiu-lhe o estatuto
(Mt 5), deu-lhe início com os seus milagres e consumou-o com a sua morte, a sua
ressurreição gloriosa e a sua ascensão aos Céus. A obra de graça destruída em
Adão ficou assim restabelecida em Jesus Cristo, novo Adão ou homem novo,
primogénito de uma nova humanidade e de um mundo novo.
Os milagres de Jesus estão na sequência
das “mirabilia Dei” do Antigo Testamento e são sinais que realizam já
incoativamente a salvação que significam: com jesus, Messias Salvador, as
doenças, o mal em geral, a morte e o pecado que está na raiz da perdição humana
começam a recuar e a ser vencidos e essa vitória anuncia a vitória plena e
definitiva sobre o reino do mal e sobre aquele que, desde o princípio, actua no
mundo dos homens como príncipe das trevas, Satanás (Mt 12,28). A mão estendida
do homem encontra-se com a eficácia da mão salvadora de Deus. Todavia, o grande
milagre de jesus, a obra maravilhosa de Deus por excelência, foi o acto
redentor da morte na cruz, seguida da ressurreição gloriosa.
HÉLDER GONÇALVES
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